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Sinopse
Em 1891, o artista Paul Gauguin decide, por conta própria, ir para o exílio no Taiti. Lá, ele espera reencontrar sua pintura livre, selvagem, longe dos códigos morais, políticos e estéticos da Europa civilizada. Mas, no local, acaba se afundando na selva, enfrentando a solidão, pobreza e a doença. E deve se reunir com Tehura, que se tornou sua esposa e o tema de suas maiores pinturas.
Crítica
Que Vincent Cassel é um dos maiores nomes do cinema francês atual, disso poucos discordam. Capaz de fazer dramas e comédias, romances e policiais, ele é, também, uma figura tão internacional que, por vezes, é também tomado como se já tivesse feito de tudo, sem ter mais o que provar. Afinal, já atuou em Hollywood (Cisne Negro, 2010) e no Canadá (É Apenas o Fim do Mundo, 2016), na Itália (O Conto dos Contos, 2015) e na Inglaterra (Em Transe, 2013), na Austrália (Partisan, 2015) e até no Brasil, onde tem até residência (de À Deriva, 2009, até o inédito O Grande Circo Místico, 2018, já foram quatro projetos diferentes por aqui). O que tem, então, ainda a mostrar? Que tal ir além de sua persona pública, como um intérprete acima de qualquer meio ou subtexto, capaz de submergir em um personagem e entregar uma verdade distante da sua própria? Pois bem, é justamente o que consegue como o protagonista de Gauguin: Viagem ao Taiti.
O diretor e roteirista francês Edouard Deluc sai da Argentina, cenário do seu longa de estreia (Mariage à Mendoza, 2012), e segue para o outro lado do mundo, para se ocupar com uma das fases mais enigmáticas e curiosas da vida de um dos maiores pintores da humanidade. Paul Gauguin é considerado o pai do pós-impressionismo, tendo se revelado quando em vida um eterno insatisfeito. Apesar de ter nascido em Paris, ainda pequeno foi morar no Peru, terra natal da mãe. Aos 17 anos, ingressou na marinha mercante, e correu o mundo. Fixou-se durante um tempo na Dinamarca – onde casou e teve cinco filhos – e, com 25 anos, tomou a decisão que mudou sua vida: dedicar-se exclusivamente à pintura. Seu trabalho, revolucionário demais para a época, foi incompreendido – não por acaso, um dos seus amigos mais próximos foi Vincent Van Gogh – e, sem ter como se manter na França, embarcou para a Polinésia Francesa, indo morar no Taiti. Tal mudança de ares não provocou uma recepção mais amigável à sua obra. Porém, foi responsável por telas que, anos – séculos – depois estabeleceram seu nome como um dos maiores de todos os tempos. A pintura Nafea Faa Ipoipo, realizada nesta etapa de sua vida, foi vendida em 2015 por US$ 300 milhões, tornando-se a obra de arte mais cara da história!
Deluc, no entanto, não está interessado no sucesso do pintor, e, sim, nas provações pelas quais passou em vida, principalmente durante esta primeira visita ao Taiti. Sim, pois apesar do filme se ocupar basicamente desta estada inicial, quando vivo ele acabou indo e vindo entre a Polinésia e a França diversas vezes, a ponto desta região se converter em uma influência determinante para seu trabalho. Mas o que provocava nele tamanho apreço por este paraíso esquecido pelo mundo? Mais do que os mares e as frutas, seu apreço se encontrava no coração. E é justamente numa dessas relações, com a mulher com quem acabou vivendo a maior parte do tempo em que lá passou, em que o filme se concentra. Uma índia local, entrega ao estrangeiro pelos pais, ela pouca vontade própria parece demonstrar – apesar de ter concordado em ir morar com ele, como dita o politicamente correto de hoje. Gauguin acaba recebendo mais do tinha condições de abraçar. E este presente, por fim, termina por se revelar seu inferno.
Teha’amana, também conhecida como Tehura (Tuheï Adams) representa não apenas aquilo pelo qual Gauguin sempre sonhou, mas também o que não mais poderia ter. Quando se casam, ela tinha apenas 13 anos, enquanto ele já passava dos 40. A relação dos dois, por si só, deveria gerar um filme bonito e interessante, pois o que a história conta – com base no livro que o próprio artista escreveu durante seu período por lá, Noa Noa (1901), e em outros relatos e estudos daquela época – é que ambos possuíam visões distintas deste arranjo: para ele, era algo apenas temporário, o colonialista fazendo uso de sua conquista, enquanto que ela talvez imaginasse algo puro e verdadeiro. Deluc, no entanto, prefere vender ao espectador um conto mais romântico, com desilusões, conquistas e traições. Isto, por fim, acaba por esvair o exotismo da situação, gerando uma novela de amor que pouco leva em conta o peso dos elementos que possui, como a relevância do nome dele e a consequência de sua presença ali – e de seus constantes retornos – para a história da arte universal.
Dois pontos, no entanto, conseguem tirar Gauguin: Viagem ao Taiti da mediocridade absoluta – além, é claro, da simples curiosidade que tal narrativa gera aos admiradores do artista. O primeiro é a impressionante e bela trilha sonora de Warren Ellis (vencedor do César por Cinco Graças, 2015), que pontua o desenrolar da trama com sensibilidade e delicadeza, revelando-se essencial para que o espectador possa adentrar naquela realidade de encanto e deslumbre, tal qual o próprio artista deve ter se sentido assim que lá pisou. E, por fim, há o próprio – e já citado – Cassel, que consegue, literalmente, tirar água de pedra. O seu Gauguin tinha tudo para ser um arrogante e antipático cidadão do mundo. Porém, a partir de um olhar absolutamente expressivo e de um mergulho total no projeto, ele se transforma em uma nova figura, possibilitando a criação de um personagem de verdade. É por ele, é pela personalidade que ele entrega ao protagonista, que este se revela um filme digno dos nomes – e talentos – que apresenta. E dando em conta os méritos envolvidos, a conta é mais do que positiva.
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Grade crítica
Crítico | Nota |
---|---|
Robledo Milani | 7 |
Francisco Carbone | 4 |
MÉDIA | 5.5 |
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