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Sinopse
Como resposta às leis discriminatórias anti-LGBT e às eleições de 2016, o Coro de Homens Gays de São Francisco embarca em uma turnê pelo sul dos EUA, viajando do Mississippi ao Tennessee, passando pelas Carolinas e pela emblemática ponte de Selma. As conexões que surgem oferecem um vislumbre de uma América menos dividida, onde as coisas que nos afastam —fé, política, identidade sexual— são deixadas de lado pelo poder da música.
Crítica
Apesar da família brasileira – e de ter morado por muitos anos em Minas Gerais – David Charles Rodrigues pode ser considerado um realizador norte-americano. Afinal, a maior parte da sua carreira profissional se deu nos Estados Unidos. E após anos envolvido com publicidade ou em produções de curtas-metragens e trabalhos para a televisão, ele estreia agora no formato mais longo com uma proposta pela qual lhe é possível falar dos tempos pelos quais estamos todos atravessando, independente de qual ponto das Américas você esteja. Em Gay Chorus Deep South, ele tinha tudo para construir uma história de confrontamento e embate, mas sabiamente consegue evitar esse caminho mais óbvio. No seu lugar, portanto, oferece um registro de resistência e força. E é justamente essa sutil diferença que termina por fazer diferença.
Apesar de não ser homossexual, como ele mesmo declara, David Charles não é uma pessoa alienada às brutas modificações sociais que os governos de Donald Trump e Jair Bolsonaro, entre outros, estão promovendo em seus países, diminuindo as atenções às minorias e favorecendo apenas àqueles que já desfrutam de um status quoprivilegiado. Com isso em vista, o cineasta foi atrás de uma história que servisse de exemplo do poder transformador da arte frente ao avanço desse conservadorismo limitador. E a encontrou ao descobrir que o coral de homens gays de São Francisco, na Califórnia, estava programando uma turnê bastante especial: pretendiam se apresentar em alguns dos estados mais conservadores do sul dos Estados Unidos. Ou seja, não iriam em lugares onde eram esperados – muito pelo contrário. O objetivo não poderia ser mais urgente: promover um debate sobre as leis discriminatórias contra a comunidade LGBTQ+ que ainda vigoram nestas regiões.
A partir de uma decisão como essa, seria de se esperar uma série de confrontos polêmicos. Era o que David Charles havia pensado, e também para o que havia se preparado Tim Seelig, o maestro e condutor do grupo, assim como a grande maioria dos seus integrantes. Estavam dispostos a dar a cara à tapa, e partir para o debate, mesmo sabendo que muitas vezes – para não dizer na maioria – não seriam bem recebidos. Esse, portanto, seria o caminho óbvio a ser percorrido. Gay Chorus Deep South ganha pontos suficientes para se elevar da mesmice anunciada, no entanto, justamente por quebrar essa expectativa. Ao invés de rejeição, encontram aceitação. No lugar de negação, foram recebidos com diálogo. E ainda que esse nem sempre tenha tido o resultado esperado, ao menos apontava para o início de uma conversa, de uma troca. A ponte, como se percebe, começava a ser construída.
Estamos falando de um coral, ou seja, diversas vozes e, logicamente, muitas pessoas que por elas respondiam. A quantidade de personagens era imensa, mas o quanto poderiam contribuir com o diálogo ao qual o filme estava se propondo? Assim, David Charles não perde tempo em apenas enumerá-las, adicionando uma sobre as outras. É quando revela um olhar preciso ao elencar algumas figuras mais representativas, concentrando nelas a mensagem sobre a qual estava determinado a se debruçar. A realidade gay não é exclusiva de um ou outro modo de vida. Ela também se multiplica e é capaz de inúmeras leituras. Essas se fazem, portanto, através destes relatos e exemplos. Cada um na sua individualidade, tanto no lado de quem está se expondo, como naqueles que, ao serem confrontados, escolherão o caminho da troca, ao invés da violência.
Seelig, um homem religioso e pai de família que, ao se assumir gay quando já tinha mais de 40 anos, se viu abandonado por todos que o cercavam – mulher, filhos e comunidade – se vendo obrigado a formar uma nova realidade para si, é apenas um dos que aqui são ouvidos. Assim como Jimmy, que há anos não falava com os pais e agora, frente a um câncer que não sabe por mais quanto tempo conseguirá enfrentar, vê na turnê uma oportunidade para se reaproximar dos familiares. Eles não estão sozinhos, pois há ainda Ashlé, uma mulher trans que começou seu processo de transição justamente entre uma apresentação e outra, ou Terrance, o líder de uma congregação que prega a interfé que decide apoiar os colegas californianos, se unindo a eles nessa jornada. As motivações são as mais diversas. Em comum, uma vontade compartilhada de buscar afeto e entendimento. Juntos, partem atrás de um mundo melhor. David Charles sabe que Gay Chorus Deep South pode não mudar a vida de todos, mas faz o que lhe é possível. O primeiro passo foi dado. O importante, agora, é seguir adiante.
Filme visto na 43ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, em outubro de 2019
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