Crítica
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Sinopse
A intimidade de Getúlio Vargas, então presidente do Brasil, em seus 16 últimos dias de vida. Pressionado por uma crise política sem precedentes, em decorrência das acusações de que teria ordenado o atentado contra o jornalista Carlos Lacerda, ele avalia os riscos existentes até tomar a decisão de se suicidar.
Crítica
Talvez uma das figuras mais emblemáticas e marcantes da política brasileira de todo o século XX, o ex-presidente Getúlio Vargas nunca havia sido levado para o cinema com tanta pompa e circunstância antes como vemos agora em Getúlio, cinebiografia dirigida por João Jardim. Porém, ao invés de abraçar uma narrativa convencional, que acompanhe o personagem desde a infância até a idade adulta e fim trágico, passando por seus momentos de glória e também pelos mais conturbados, o filme que conta com o talentoso Tony Ramos como protagonista segue uma linha específica, mais ou menos como a adotada por Steven Spielberg no recente Lincoln (2012): escolheu-se uma passagem de tempo singular, e por isso mesmo, bombástica, que servisse de retrato para toda a sua trajetória. Porém, se no exemplo do líder norte-americano acompanhamos sua luta pela abolição da escravatura, aqui somos convidados a testemunhar um governante combalido envolvido em um lamaçal de acusações, artimanhas e um possível golpe de estado. Reflexo de uma situação que, infelizmente, persiste até os dias de hoje, mais de meio século depois dos episódios aqui ilustrados.
Batizado inicialmente como Os Últimos Dias de Getúlio Vargas, o longa produzido pela Copacabana Filmes – da cineasta Carla Camurati, esposa de Jardim – centra seu foco entre 05 de agosto de 1954, quando aconteceu o atentado da Rua Tonelero, no Rio de Janeiro, que vitimou major-aviador Rubens Vaz e feriu o jornalista Carlos Lacerda – principal oponente do Governo naquela época – e 24 do mesmo mês, quando o então Presidente da República se suicidou com um tiro no peito. As questões nebulosas levantadas durante estes dezenove dias oferecem artifícios suficientes para um thriller de peso, que o diretor explora sem afobação. Seu trabalho foi de organizar os fatos e criar diálogos fortes que os unisse e os sustentasse, pois uma vez que os personagens eram conhecidos, a sequência de ações era explícita e o desfecho, polêmico, tinha forma e conteúdo, bastava apenas ter cuidado para não estragar uma combinação por si só vencedora. Um feito que João Jardim alcança com parcimônia.
Não há ousadia criativa em Getúlio, porém percebe-se uma vontade de entregar o melhor filme diante das situações envolvidas. Há um certo maniqueísmo na construção dos principais tipos em cena. Lacerda, por exemplo, visto numa interpretação nervosa de Alexandre Borges, está sempre à ponto de bala, e há uma opção consciente no filme de não dotá-lo de profundidade – pouco, ou quase nada, sabe-se de suas reais motivações. Drica Moraes elabora uma Alzira Vargas – filha do presidente – quase tão influente quanto o pai, pessoa forte do governo e braço direito para qualquer decisão – é questionável imaginar como uma mulher, há mais de sessenta anos, conseguia exercer esse poder pardo com tanta habilidade. Os coadjuvantes formam um verdadeiro time dos sonhos, com a presença de nomes como Leonardo Medeiros, Alexandre Nero, Daniel Dantas, Jackson Antunes, Clarisse Abujamra e Marcelo Médici, ainda que em participações limitadas, porém igualmente intensas e equilibradas.
Nenhum, no entanto, se destaca tanto quanto a verdadeira estrela do filme, Tony Ramos. O ator oferece uma composição humana à Getúlio Vargas, distanciando-o do estadista das multidões, que jogava com o povo como com dados em um tabuleiro. Vemos aqui a pessoa, o homem já velho e cansado, que se recusa a entregar-se de forma desonrosa. A transformação física – com próteses e pesada maquiagem – é impressionante, mas não tanto quanto o olhar de um intérprete ainda humilde, mesmo que no alto de tantos anos de carreira, que se coloca à disposição do projeto, exigindo-se nada menos do que o melhor. Por ele, o filme sobressai-se da mediocridade.
Ainda que o foco seja outro, Getúlio lembra muito a minissérie – e o livro de Rubem Fonseca, no qual era baseada – Agosto, exibida em 1993 pela Rede Globo. O fato de João Jardim ter sido editor do programa televisivo e agora escolher essa mesma passagem histórica para marcar sua estreia na ficção não parece ser mera coincidência. Documentarista de sucesso – foi co-diretor do excelente Lixo Extraordinário (2010), indicado ao Oscar na categoria – Jardim não teme deixar que seu novo filme ande por si só, sem se envolver demais. Se por um lado o protagonista parece quase santificado, e o submundo de diversas intensões que o circundava é pouco explorado – a cada instante há um novo acusado, porém sem uma rede de ligações que justifique tamanha conspiração – a parte técnica – a austera fotografia de Walter Carvalho, a trilha sonora eficiente do argentino Federico Jusid (o mesmo do oscarizado O Segredo dos seus Olhos, 2009) – é tão superlativa que compensa eventuais deslizes.
No entanto, Getúlio Vargas foi tão importante – um homem alçado à condição de ditador, que foi deposto apenas para voltar ao poder pelo voto legítimo e popular, e que se manteve no poder por quase vinte anos – para esse país que seu escopo merecia ser melhor explorado cinematograficamente. Getúlio não consegue abraçar toda essa dimensão, e ainda que seja um filme eficiente enquanto suspense, dispõe de elementos que exigiriam mais da realização. Portanto, temos uma obra madura, de objetivos claros e alcance determinado, mas que parte de um argumento merecedor de tanta expectativa que fica difícil alcançá-la após sua conclusão. Como, de fato, é o que acontece.
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