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Crítica
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Sinopse
Girassol Vermelho segue a jornada de Romeu, um homem que deixa seu passado, numa busca pela liberdade. Por acaso, ele chega a uma estranha cidade onde um sistema opressor e patético, que não permite questionamentos, o arrasta para uma sequência de interrogatórios e torturas. Fantasia.
Crítica
Um homem se despede. No ar, um sentimento de insatisfação insiste em se posicionar entre aquele que vai, e ela que fica. A mulher, portanto, permanece. Mas não plenamente satisfeita. Ela dá adeus, pois sabe ser o certo a ser feito naquele momento. Mas, ao mesmo tempo, não consegue evitar que um relapso de reclamação, de protesto se manifeste entre os beijos e abraços protocolares do momento. Em Girassol Vermelho, o não dito possui tanta força que, por vezes, termina por ocupar o espaço que deveria ter permanecido suspenso. Essa quebra de barreira, este incômodo que é levado consigo como uma bandeira rumo a um campo de batalha é tanto sua origem, como o percalço a ser superado. Pois este não é um filme para grandes públicos. Nem todo mundo conseguirá ultrapassar o confronto que é proposto, tanto no âmbito da ficção, como no discurso fílmico. O que é uma lástima, pois sinaliza também a indisposição do espectador em se aventurar, em ele próprio se permitir ir além de uma suposta zona de conforto e se deparar com o inesperado. Ainda que esse nem sempre encontre seu lugar de repouso.
Romeu tem o rosto de Chico Diaz, e nessa escolha o diretor Eder Santos (Deserto Azul, 2013), dessa vez trabalhando ao lado do co-diretor Thiago Villas Boas (que foi assistente de direção de títulos como A Viagem de Pedro, 2021, e Meus Quinze Anos, 2017, entre tantos outros), garante um acerto de partida. Estes nomes são importantes para a percepção do que aqui se apresenta. Diaz é um dos mais completos atores brasileiros de sua geração, consagrado pela diversidade e amplitude dos tipos que há décadas tem dado vida. Porém, ao se jogar de braços abertos diante de um abismo como esse, o que demonstra é uma vontade de assumir risco, postura tão revigorante, quanto temerária. Poderia ter dado muito errado. E, para muitos, talvez seja essa a percepção. Mas é de se exigir um esforço além da superfície. A resposta nunca é óbvia. Assim como aquilo que dela se extrai. Frente a uma complexidade que não se atinge numa primeira entrega, os meandros da jornada pela qual seu personagem é guiado aponta para um pesadelo tão kafkaniano quanto digno da pena de Murilo Rubião – de quem, aliás, a trama se inspira.
Expoente do realismo fantástico dentro da literatura nacional, Rubião é condutor do pesadelo pelo qual Romeu se vê envolto. O apelo de um cinema de gênero, felizmente, está além da mera conotação dialética. Ele parte, deixando a amada para trás, e o espectador poderá se imaginar diante de um Desencanto (1945), preenchendo lacunas tanto ao antes quanto ao depois daquele instante atravessado pelo casal. Já em sua cabine, a insistência em se concentrar em uma leitura providencial é constantemente perturbada por aqueles que daquele espaço compartilham com ele. Já não importa mais quem está ali: são todos parte de um só, da sua incapacidade de ir adiante, da insistência em permanecer onde não mais se encontra, frente a instabilidade do destino para onde se encaminha. Essa ausência de segurança se reflete ao descer em endereço desconhecido. Não lhe é mais permitido o retorno. O que foi já não mais existe, e o que antes se valia por meio da esperança, no agora desapareceu. Restou apenas o não imaginado, o inexistente, o não concreto.
Romeu, perdido de si e dos que lhe serviam de amparo, indaga em busca de qualquer tipo de informação. E o conhecimento, mais do que qualquer coisa, representa perigo. Há de se temer pelo que não se sabe, pelo que permanece no mistério, por aquilo que não se conhece e tudo pode ser. É como o gato de Schröndinger: tanto pode, como não, lá estar. A ignorância, enfim, é uma bênção. Mas também carrega em si a maldição de tudo aquilo que nunca foi, nem mesmo um dia poderá ser. Romeu é levado, é preso, é questionado, é torturado. Mas o que pode ele afirmar, se nada sabe? Nesse manifesto contra a ordem proposta, o sistema tem rosto e voz, e por mais que o sorriso tente ser atraente, é acima de tudo dissimulado e enganador. A perversidade daquilo que declara se esconde por trás de cada palavra proferida, como se a verdade só encontrasse lugar por meio de sombras e segredos, sem nunca se apresentar por completo. A desorientação de Romeu é também da audiência, que não sabe mais de onde veio e nem para onde vai. Quando não se tem referências, o próprio sentido de transitoriedade se esvai.
Ainda que participações pontuais de Daniel de Oliveira – ele, particularmente, está hipnotizante – ou de Bárbara Paz, apenas para se ficar entre os nomes mais conhecidos, possam despertar algum tipo de curiosidade, o show aqui é de Chico Diaz, que se desconstrói a ponto de virar marionete nas mãos de Santos e Villas Boas. Os realizadores fazem uso tanto das linhas profundas de um rosto que em si carrega história, como também do plano em aberto que esse permite se colocar, como uma página em branco esperando por ser preenchida. E quanto é chegada a hora do jantar, são as pessoas que por ali o cercam que, como os Mutantes há muito declararam, são essas as ocupadas em nascer e morrer. O excesso, enfim, se entrega. E o prazer de um vira de todos. Girassol Vermelho é um grito raro em meio a um cenário por demais apegado à sobriedade e ao zelo com o outro. Por meio de uma narrativa nunca fácil, atira para muitos lados. Em tantas dessas vezes, passa longe de qualquer alvo. Mas nem por isso desiste. E é nessa insistência em persistir que revela sua força, exótica sim, mas também por demais necessária.
Filme visto durante a 28ª Mostra de Cinema de Tiradentes, em janeiro de 2025
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