Crítica
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Sinopse
Gladiador II, de Ridley Scott, se passa anos depois do jovem Lucius testemunhar a morte do venerado herói Maximus pelas mãos de seu tio. Para garantir sua sobrevivência, sua mãe o manteve exilado. Agora, já adulto, é forçado a entrar no Coliseu depois que seu lar é conquistado pelos imperadores tirânicos que comandam Roma com mão de ferro. Com a raiva em seu coração e o futuro do Império em jogo, deverá olhar para o seu passado para encontrar força e honra para devolver ao povo o que lhe é de direito.
Crítica
Como dar o passo seguinte a um dos ápices de sua carreira? Ridley Scott deve ter se feito essa pergunta logo após a consagração de Gladiador (2000), vencedor do Oscar de Melhor Filme (e de outras quatro estatuetas) e responsável por um retorno nas bilheterias de quase cinco vezes o valor do seu orçamento. Este foi, durante mais de uma década, o maior sucesso de público de toda a sua filmografia – superado apenas por Perdido em Marte (2015) – e se manteve, mesmo com o passar dos anos, no imaginário de uma audiência crescente como um título capaz de unir respeito da crítica com apreço popular. Mesmo já tendo passado dos 80 anos, o cineasta tem atravessado uma das fases mais criativas, lançando obras originais – na última década, foram nada menos do que sete projetos que chegaram aos cinemas, e outros cinco estão engatilhados – e revisitando clássicos pessoais (produziu Blade Runner 2049, 2017, e Alien: Romulus, 2024, por exemplo). Ou seja, era só questão de agenda para voltar ao tempo de homens transformados em escravos que se veem obrigados a enfrentar duelos de vida ou morte em nome da própria liberdade. Gladiador II, portanto, é um passo esperado, mas também um aceno para o amanhã. E assim deverá ser percebido, seja por quem o fez, como por aqueles que dele irão desfrutar.
Por mais que ocupe um espaço especial na memória de muita gente, quem não recordar dos meandros da trama anterior não precisa se preocupar: o roteiro escrito por David Scarpa (parceiro habitual de Scott, com quem trabalhou antes em Todo o Dinheiro do Mundo, 2017, e em Napoleão, 2023) é generoso em flashbacks e ilustrações que remetem ao que foi visto, não apenas oferecendo as conexões necessárias para um entendimento amplo, como também reforçando – e, dessa forma, eliminando dúvidas – os elos que ligam uma história à outra. O maior duelo do primeiro filme se dava entre o lutador Maximus (Russell Crowe) e o déspota Commodus (Joaquin Phoenix). Como ambos morrem ao final, é sabido que não darão as caras por aqui (ou quase isso). Resta Lucilla (Connie Nielsen, tão exuberante quanto antes, agora ainda mais vítima das ações dos homens que a rodeiam), que fora amante de um e irmã do outro. Devido a sua condição de mulher, não pode ascender ao trono. Quem agora ocupa esse espaço não é um, mas dois: os gêmeos Geta (Joseph Quinn, de Um Lugar Silencioso: Dia Um, 2024) e Caracalla (Fred Hechinger, de A Mulher na Janela, 2021). Mas ela segue sendo fundamental para o destino do império.
Um simples guerreiro, longe de ser alguém comum, no entanto, contra o estado e todo o poder e corrupção que desse emana. Assim foi visto o longa original, e muito do seu sucesso foi creditado a essa concepção até mesmo simplista, mas de fácil entendimento. Scott, ciente dessa percepção, tratou de manter essa nova investida pela Roma antiga no mesmo patamar, eliminando maiores elucubrações e teorias conspiratórias, forçando o conjunto a ser o mais próximo possível de uma compreensão imediata e evidente. Seguindo essa linha de pensamento, sempre que um vislumbre de dúvida surge no horizonte, rapidamente os personagens se encarregam de longos diálogos, esclarecendo qualquer confusão. Há conluios sendo formados, reuniões às escondidas, planos secretos e segredos sendo compartilhados. Mas nada que perdure por muito tempo.
Como, por exemplo, a origem de Hanno, o herói vivido por Paul Mescal. Indicado ao Oscar por Aftersun (2022), ao Emmy por Normal People (2020) e ao Bafta por Todos Nós Desconhecidos (2023), o que se percebe nestes desempenhos anteriores do rapaz é um olhar apurado por tramas românticas e intimistas, voltadas à reflexão e aos sentimentos, com diferentes camadas de leitura e compreensões além da primeira impressão. Com Gladiador II, no entanto, ele explora território até então inédito no seu currículo, o dos grandes espetáculos, em uma produção voltada a um público mais amplo e menos exigente. É visível o seu desconforto nesse ambiente, por mais que sua preparação tenha sido intensiva – está impresso no preparo físico o seu comprometimento com o personagem. Ao mesmo tempo em que não prejudica o todo – afinal, fala-se aqui de um dos melhores de sua geração – também fica evidente sua vontade em encerrar sua parte e dar adeus a tanto barulho por nada.
Esse desequilíbrio é ainda mais perceptível quando é colocado ao lado de Denzel Washington, um dos poucos nomes na Hollywood atual a dominar com excelência essa transição entre a forma e o conteúdo. O Macrinus que defende é um ex-escravo e hoje ele próprio um comerciante de homens aprisionados que acredita na possibilidade de crescimento (e enriquecimento, e empoderamento) pessoal, bastando para isso se dedicar com afinco e saber fazer o jogo daqueles ao seu redor. E isso ele sabe como poucos. O tipo ao qual empresta seu talento é ardiloso e carismático, em mais uma das grandes atuações de sua carreira. Será ele que levará Hanno de volta à Roma, onde este nem mesmo lembra já ter vivido. Pois, na verdade, é Lucius, o filho há muito dado como morto de Lucilla. Tomar o trono que é seu por direito e enfrentar aqueles que a ele se opuserem – inclusive Marcus Acacius (Pedro Pascal, de presença mais apagada do que se poderia esperar), marido de sua mãe e o general responsável por sua captura – é só o começo de sua missão.
Ridley Scott mostra que não está brincando com o empenho visual que oferece à concepção de Gladiador II. A impressão é que tudo que não lhe foi possível, seja por limitações financeiras, ou mesmo de tecnologia da época, na realização do filme original, agora se certificou de tornar possível, mesmo que por vezes esse deslumbramento soe um tanto anacrônico (a visão do Coliseu inundado com tubarões por todos os lados é por demais absurda para ser crível, por mais que alguns historiadores apontem a possibilidade de ter sido esse um cenário real). E se o exagero extrapola os olhos do espectador, na mesma proporção o enredo se encarrega em tornar os acontecimentos por demais previsíveis e de fácil antecipação. O herói que se dará bem ao final está estampado no pôster de divulgação, e nenhuma dificuldade posta em seu caminho será grande o suficiente para impedir sua coroação. Diferente do que pode ser dito desse filme, propício aos novos tempos, mas destinado a se colocar à sombra do seu antecessor.
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