Crítica
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Sinopse
Benoit Blanc viaja para a Grécia a fim de desvendar outro mistério envolvendo um grupo heterogêneo de suspeitos. Todos eles têm bons motivos para assassinar um bilionário excêntrico que é dado a brincadeiras de mau gosto.
Crítica
Nos programas televisivos de quiz há frequentemente uma questão “pegadinha”, como: Do que é feito o suco de laranja? A) Abacaxi; B) Maracujá C) Laranja; D) Abacate. A ideia desse tipo de interrogação é criar um breve curto-circuito na nossa cabeça em virtude da gritante obviedade da resposta. Por alguns segundos podemos nos perguntar: alguém faria uma pergunta assim tão fácil? Há algo incógnito que ainda não percebi? E não são poucos os induzidos ao engano, que se deixam levar pela incredulidade quando, na verdade, bastava responder a coisa mais explícita possível para avançar no jogo. De certa forma, é isso que nos propõe Glass Onion: Um Mistério Knives Out, continuação de Entre Facas e Segredos (2019), cujo sucesso rendeu ao cineasta Rian Johnson o acordo milionário para criar uma franquia de filmes baseados no bom e velho whodunit (Quem fez? Quem matou?) imortalizado na literatura por Agatha Christie. A trama mostra um bilionário do tipo excêntrico, Miles (Edward Norton), convidando todos os seus amigos para um fim de semana numa ilha paradisíaca. A missão deles é resolver um mistério de assassinato, mas quase ninguém contava que nesse seletíssimo grupo também estaria o melhor detetive do mundo, Benoit Blanc (Daniel Craig). Como na cebola, há camadas a serem desvendadas. Mas, já que o legume citado no título é “de vidro”, o seu núcleo está bem exposto.
Nos whodunits, os detetives são geralmente os representantes do público. Eles expressam a nossa curiosidade e são contextualizados para que consigamos compreender os laços entre os personagens. Também são eles que nos oferecem pistas e provavelmente soluções. Portanto, ficamos sempre atentos aos movimentos de Benoit Blanc em Glass Onion: Um Mistério Knives Out, pois sabemos que ele nos fornecerá as chaves para abrir as portas certas. E Rian Johnson é habilidoso ao construir um enigma falso (rapidamente resolvido pelo protagonista intrépido) e sobrepô-lo com camadas de algo ainda mais sinistro. A primeira metade do longa-metragem é um whodunit de contornos clássicos. Temos a apresentação dos personagens, a iminência do crime, a revelação das motivações dos suspeitos, o trânsito por pistas instigantes e uma sensação constante de estarmos num labirinto. No entanto, quando um assassinato verdadeiro acontece, seguido de outra tentativa de homicídio, a história ganha um rumo completamente diferente. Sim, pois o cineasta (também autor do roteiro) mostra que, a despeito de estar na cara quem é o verdadeiro vilão da situação toda, há nuances que simplesmente desconhecemos. E num grande flashback ele explica tudo, tratando de com isso nos afirmar: estava tudo nos detalhes. No entanto, ao não radicalizar esse jogo de gato e rato, ele perde alguns pontos vitais.
É ousada a ideia de lançar um mistério que confunde a cabeça do investigador perspicaz como nenhum outro justamente pela sua gritante obviedade. A mente sagaz de Benoit Blanc tende a pensar: a resposta “laranja” é óbvia demais, por isso provavelmente algum elemento ainda não percebido tende a descarta-la. Mas, Rian Johnson não faz dessa “cebola de vidro” – o seu paradoxo, pois as camadas não escondem o núcleo – uma bomba de fumaça a fim de desviar a atenção do espectador. Perceba que para conquistar o interesse da plateia, ele esconde coisas que estão além do nosso alcance, ou seja, não vai até as últimas consequências nessa ideia de deixar expostas as peças do quebra-cabeça e nos distrair para que não consigamos encaixa-las. Em determinado ponto da trama, Benoit Blanc exibe o seu conhecimento ímpar ao contar para os presentes quais pistas eles deixaram passar em meio a um fim de semana de ostentação. Porém, esses rastros são insuficientes para chegar à verdade, sendo peças intermediárias de um painel do qual apenas o roteirista (nem mesmo o vilão ou o detetive) tem a ideia total. Feitas as ressalvas quanto à fragilidade do segundo ato do filme, mesmo assim ele ainda consegue manter acesa uma chama de curiosidade. Rian Johnson brinca engenhosamente com o componente principal do suspense, a dúvida, em prol de uma experiência com toques e notas de sarcasmo.
Um dos charmes de Glass Onion: Um Mistério Knives Out é o desempenho do seu elenco repleto de talentos. Daniel Craig está mais do que à vontade como esse brilhante investigador distanciado convenientemente do espectador, este crente na ciência de tudo o que Benoit Blanc pensa e faz. E a fauna ao redor do protagonista é sintomática dos tempos caóticos em que vivemos: o influenciador machista de Dave Bautista; a subcelebridade fútil de Kate Hudson; o cientista “vendido” de Leslie Odom Jr.; a política corrompida de Kathryn Hahn e o bilionário imbecil de Edward Norton. Ainda há espaço para as participações especiais de Ethan Hawke e Hugh Grant – esta que visa sugerir (ainda que timidamente demais) a homossexualidade de Benoit Blanc. Entre todos eles, Janelle Monáe se destaca como uma personagem fundamental para descascar esse abacaxi. Conduzindo-os, um encenador competente como Rian Johnson, alguém que aposta nos detalhes como peças essenciais. Por exemplo, não é preciso longas explanações sobre os personagens, pois aspectos notáveis de suas personalidades são revelados em suas atitudes. No meio da pandemia, é sinal de escrotidão dar festas clandestinas ou não chegar em público usando máscara. Pena o realizador esconder comodamente certas cartas na manga e não radicalizar a utilização da estratégia “cebola de vidro” de expor o óbvio e fazer o espectador pensar constantemente: “isso não está fácil demais?”. Ainda assim, estamos falando de um filme divertido, espirituoso e com uma engenhosidade que mantém a sensação de estarmos à deriva.
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