Sinopse
Crítica
O centro gravitacional de Glory, esta coprodução Bulgária/Grécia, é a honestidade do protagonista. A partir da postura ética de Tzanko (Stefan Denolyubov), funcionário ferroviário que reporta às autoridades uma significativa soma de dinheiro encontrada nos trilhos, tomamos contato com os comportamentos dos envolvidos, especialmente os investidos de sordidez. O inaugural, e mais evidente, sinal de corrupção, não apenas no que concerne ao âmbito governamental, mas, e principalmente, à esfera humana, é a engenharia encabeçada pela chefa do departamento de relações públicas do ministério dos transportes, Julia (Margita Gosheva), para transformar a ocasião em ativos midiáticos. Os cineastas Kristina Grozeva e Petar Valchanov se empenham na construção cinematográfica da exploração, mostrando a humildade do homem correto sendo, além de manipulada em função de finalidades escusas, ridicularizada por quem o encara com interesses puramente institucionais.
Em paralelo aos desdobramentos do caso, a trajetória de Julia ganha ares de protagonismo ocasionalmente, já que ela passa por um tratamento de fertilidade. Contudo, as constantes interrupções das consultas pelas ligações do trabalho, com pautas burocráticas que a fazem deixar a possibilidade de engravidar aparentemente em segundo plano, criam uma tensão aproveitada pelos realizadores somente para deflagrar um conflito doméstico quase irrelevante. Aliás, a utilização do celular é um dado importante à narrativa de Glory, pois busca reproduzir em escala social os problemas de expressão do protagonista gago. A comunicação entrecortada por telefonemas e mensagens, prontamente priorizados pelos personagens, alude às dificuldades de Tzanko para traduzir pensamentos em palavras. A ironia reside, justamente, no fato das pessoas em cena normatizarem essa fragmentação ocasionada pelos meios que deveriam melhorar as interações, enquanto debocham da impossibilidade alheia.
Grozeva e Valchanov promovem ataques diretos ao Estado e à imprensa, sobretudo, através da contundência no delineamento da conduta espúria de ambos com o protagonista. O primeiro transmuta a idoneidade dele em propaganda, colocando-lhe uma pecha de herói ao mesmo tempo em que negligencia até suas mais singelas vontades. À segunda, personificada pelo apresentador Kiril (Milko Lazarov), urge capitalizar sobre o seu sofrimento, convertendo-o num melodrama jornalístico ordinário, tampouco atentando às demandas desse sujeito modesto que briga para ter de volta o relógio com enorme valor sentimental. As mensagens são bastante claras em Glory. Todavia, falta sutileza, muitas vezes, para que a abordagem transcenda o nível superficial das denúncias. Já Stefan Denolyubov desempenha uma função essencial ao filme. Seu trabalho é responsável por boa parte de nossa pronta identificação com o protagonista. Margita Gosheva igualmente está bem, só que numa chave expansiva.
Julia é uma personagem colocada na trama para “oferecer o outro lado”, ou seja, a ganância, intrínseca à nossa espécie, que alimenta ações condenáveis, caraterísticas das conjunturas maiores. No entanto, há carência de um desenvolvimento condizente com a representatividade dos temas enfrentados, geralmente em looping, sem elementos que engrandeçam os escopos. A jornada de Julia – lidar com as expectativas do marido e dos superiores – possuiria validade além do banal, caso os cineastas demonstrassem coragem de ir fundo na crítica, deflagrando a impossibilidade de determinar destinos a partir das decisões. O encerramento de Glory estabelece uma reviravolta abrupta demais para convencer. Seria bem mais trágico, e até mesmo coerente/substancial, assumir a idoneidade de Tzanko como passaporte para a sua tragédia, ampliando o alcance da reprovação às atitudes vis de outros partícipes da encenação (trôpega) dessa circunstância cuja vítima maior é o homem comum.
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Grade crítica
Crítico | Nota |
---|---|
Marcelo Müller | 6 |
Leonardo Ribeiro | 7 |
MÉDIA | 6.5 |
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