Sinopse
France batalha constantemente contra o uso de pesticidas. Por sua vez, Patrick é um advogado especializado em direito ambiental. Mathias defende os interesses de um gigante agroquímico. Esses três destinos se cruzam.
Crítica
Golias possui um caráter de filme-denúncia escancarado já nos letreiros iniciais, nas palavras que alertam sobre a intenção de a ficção refletir personagens e eventos da realidade. Há três protagonistas em torno da polêmica discussão sobre a utilização desenfreada de agrotóxicos na França. Patrick (Gilles Lellouche) é o advogado nanico lutando contra o conglomerado econômico gigantesco que lucra com a ignorância do público e a vista grossa das autoridades. France (Emmanuelle Bercot) é a pequena agricultora motivada ao ativismo por conta do retorno do câncer que acomete o seu marido exposto de modo prolongado aos pesticidas. E, por fim, Mathias (Pierre Niney) é o lobista da indústria, aquele que passa os seus dias defendendo o que o longa-metragem denuncia como indefensável: a renovação da aprovação de um fitossanitário que parte da sociedade denuncia como cancerígeno, isso enquanto o business defende como medida fundamental para garantir a subsistência da agricultura no país. A trama entrelaça essas três personalidades e ainda acrescenta outras indicativas de um alarmante estado das coisas. O cineasta Frédéric Tellier tem um ponto de vista muito claro, expresso na construção dos mocinhos e dos vilões. Felizmente, ele está ao lado das formigas que batalham contra os monstros corporativos, estes apontados como essencialmente inescrupulosos e nocivos a todos.
O que Golias tem de melhor é a forma praticamente didática com a qual desmonta o discurso dos gigantes da área agroquímica. E para isso é imprescindível que Mathias seja um dos protagonistas. O lobista tão habilidoso quanto desprovido de consciência é visto deturpando fatos, dialogando de modo cortês com políticos, sendo convidado às mesas de discussão – e essa representação não é equivalente àquela conferida aos pequenos agricultores. Além disso, ele é agressivo na utilização de militância cibernética direcionada (trolls, bots, etc.) e se vale das ferramentas da publicidade para criar slogans posteriormente repetidos por autoridades. Esse conjunto deixa muito evidente que toda a defesa dos produtores de agrotóxicos está bem alicerçada em lógicas que nada têm a ver com o bem comum. Os negócios querem a manutenção das lucratividades polpudas, mesmo se isso significar sacrifícios de vidas humanas. No entanto, até nessa construção é possível sentir a mão pesada do realizador, sobretudo por conta das repetições desnecessárias, como a reiteração de figurões influentes repetindo na televisão e/ou mesmo em relatórios de saúde o que Mathias cria como se fossem anúncios. Então, de um lado, temos esse Golias caracterizado por pessoas desalmadas e sem escrúpulos; do outro, esses Davis persistindo apesar de um cenário absolutamente desfavorável às suas reivindicações.
Mas, aí é que vem o calcanhar de Aquiles da produção escolhida para integrar o 13º Festival Varilux de Cinema Francês. Como Golias se assume cada vez como um filme de tese, a dimensão humana dos personagens perde muito espaço para o simplismo dos discursos individuais que transformam as pessoas em meros tipos. Patrick, France e Mathias são mais importantes como figuras representativas de uma luta desigual e bem menos como gente que respira essas dificuldades e/ou esses desafios cotidianamente. Curiosa e sintomaticamente, o único dos três protagonistas que ganha alguma ambivalência/complexidade é Mathias, justamente aquele que não está do lado considerado o correto pelo roteiro. Aparentemente com receio de mergulhar nas possibilidades do maniqueísmo, o cineasta Frédéric Tellier mostra que o lobista é um homem querido na família, capaz de fazer uma surpresa maravilhosa à sua enteada e de se comportar dignamente diante da esposa grávida (sem contar na dança descontraída com os amigos). É evidente que com isso o cineasta quer nos dizer: “olhem só, os lobistas atuam de modo monstruoso, mas não são monstros, são pessoas como eu e você”. No entanto, esses vislumbres soam mais como estratégia protocolar para evitar uma demonização excessiva do que como uma tentativa efetiva de observar os conflitos humanos de quem está envolvido na batalha.
Já Patrick e France valem estritamente por suas posições. É um indício de como são rasos os personagens de Golias. Ele é apenas o advogado idealista que acentua a batalha depois da perda de uma cliente desesperada. De onde vem esse idealismo? Como ele era antes do processo? Do que realmente é feita a personalidade desse homem aguerrido? Já France é somente a esposa desesperada pela iminência da morte do marido por intoxicação. Como ela agiu antes do processo ganhar ares de guerra midiática? De que maneira se posicionou diante dos vizinhos que insistiam na utilização do agrotóxico? Como era a sua opinião a respeito da polêmica antes da doença do marido? Essas e outras tantas perguntas ficam sem resposta e o efeito disso, dessa falta de curiosidade sobre a humanidade dessas pessoas, faz com que elas sejam importantes restritamente como peões mais ou menos (im)potentes do jogo desigual e representativo do estado das coisas. Portanto, é curioso que, num enredo questionador dos mecanismos econômicos em prol da vida humana, haja tão pouco interesse pelos dados que tornariam cada envolvido uma entidade singular e passível de contradições. Uma vez que Frédéric Tellier prioriza o sofrimento dos pequenos como contraponto ao exercício do poder pelos grandes, mas sem insistir na humanidade complexa e turva que a tudo permeia, o resultado é um thriller consciente. Só.
Filme assistido durante o 13ª Festival Varilux de Cinema Francês, em junho de 2022.
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Grade crítica
Crítico | Nota |
---|---|
Marcelo Müller | 5 |
Lucas Salgado | 6 |
Francisco Carbone | 6 |
Ticiano Osorio | 7 |
Suzana Uchôa Itiberê | 6 |
Alex Gonçalves | 6 |
MÉDIA | 6 |
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