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Crítica

Muito antes de Quentin Tarantino chacoalhar a produção independente norte-americana em 1992 com Cães de Aluguel, os irmãos Joel e Ethan Coen estrearam no cinema com um filme que já utilizava violência gráfica enquanto sintoma maior de um mundo corrompido. Gosto de Sangue parte de uma situação banal, de um caso extraconjugal. Julian (Dan Hedaya), o marido traído, fica maquinando o que fazer com sua esposa, Abby (Frances McDormand), e com Ray (John Getz), amante dela e funcionário de seu bar. Até aí nada de especial, mesmo porque os Coen nos dão a falsa sensação de que o ladrar de Julian é só emplastro para orgulho ferido, enquanto Ray, por sua vez, não se sente ameaçado, tanto que confronta o antigo chefe em busca de dinheiro, sem maiores preocupações.

O detetive (M. Emmet Walsh) que descobriu a traição é, então, incumbido por Julian de matar o casal. As coisas complicam, pois da reação completamente ensimesmada, passamos à iminência de um crime passional. Joel Coen, ele que assina sozinho a direção de Gosto de Sangue, baseado no roteiro escrito a quatro mãos com seu irmão Ethan, dá uma guinada no filme a partir da efetivação do assassinato, ainda que a morte não seja necessariamente aquela para a qual o matador foi contratado. Aliás, depois do primeiro disparo ocorre uma série de mal entendidos, situações ridículas que levam os personagens a entendimentos errados, a darem os próximos passos sempre da forma mais desajeitada possível.

As confusões se sobrepõem e a violência surge como único meio de remediar as coisas, ainda que as emendas fiquem muito piores que os sonetos. Enquanto Ray, acreditando que sua amada deu cabo do marido, tenta a todo custo cobrir rastros, o detetive particular parte em busca da única pista que pode de fato incriminá-lo. O percurso cada vez mais interligado de ambos só reafirma que não há saída, que há pouco a fazer após o gatilho ter sido puxado pela primeira vez. A violência, sempre ela, traga os personagens para o centro de redemoinhos que eles próprios forjaram, e os Coen oferecem ao espectador a possibilidade de entender essa agressividade não contida como antecessora direta da ruína física e/ou moral.

Gosto de Sangue tem uma inclinação curiosa para a sátira. Joel e Ethan Coen tratam tudo com muita seriedade, das causas às consequências, mas, por outro lado, evidenciam os personagens como seres patéticos e as ocasiões insólitas como decorrências diretas do esforço vão de negar que ações têm reações não necessariamente proporcionais. Assim, todos caminham inexoravelmente para o abismo, uma vez que não há qualquer possibilidade de redenção nesse Texas de lei ausente, território onde os fracos não têm vez, no qual impera um primitivismo que reduz as fronteiras entre o comportamento das feras e o das pessoas. Essa proximidade mostra uma humanidade mais crua, não tão submetida aos ditames sociais. Em suma, não há qualquer traço de inocência na estreia dos Coen.

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