Crítica

É fato que certos filmes marcam infância e adolescência, ficando conosco numa espécie de sedimento afetivo/cinematográfico. Os da geração anos 1980 tendem a olhar para trás com carinho, sobretudo às clássicas Sessões da Tarde. Foi lá que conheceram Ferris Bueller (Curtindo a Vida Adoidado, 1986), acompanharam as aventuras dos meninos de Os Goonies (1985), entre outras experiências definidoras. Lembro com especial saudosismo de Gotcha: Uma Arma do Barulho, longa protagonizado pelo ainda jovem Anthony Edwards (lembram-se de Plantão Médico (1994)?) e marcado pela beleza fulgurante de Linda Fiorentino. Um dos meus favoritos daquela época imberbe, sem dúvida.

Nele, Jonathan é um rapaz impopular com as mulheres que desfruta a vida acadêmica entre as aulas e Gotcha (algo como “te peguei”), um emulador de espionagem no qual os competidores esgueiram-se pelo campus acertando seus “inimigos” com armas de paintball. Dos pais abastados ele ganha viagem pela Europa com seu amigo Manolo. Louco para fazer sexo, ver museus e nada mais, acaba envolvido com uma bela mulher numa trama de espionagem internacional. Jonathan precisa, então, utilizar suas habilidades no jogo para a atuação involuntária no mundo real dos agentes secretos, em óbvia metáfora sobre o crescimento, essa também evidenciada na concomitante descoberta sexual do protagonista.

Nos anos oitenta os norte-americanos faziam bons filmes escapistas que entretinham de verdade, independentemente do absurdo em que eram calcados. Afinal de contas, um filhinho-de-papai que brinca de James Bond na universidade e esbarra durante a exploração do novo continente numa gata quase inalcançável, seu passaporte para um imbróglio dos demônios, é enredo bem nonsense, certo? Mas Gotcha: Uma Arma do Barulho busca tão e somente entreter, e consegue, mesmo os nem tão jovens e ingênuos assim. Claro, também há contra-indicações. Nas representações de cada papel (mocinhos, bandidos, etc.) reside um miolo revelador do pensamento preconceituoso estadunidense a respeito da então geopolítica européia (num imaginário muito alimentado pelos anos de Guerra Fria).

O filme é uma obra de arte? Não, claro que não, tem momentos até bem deslocados, como quando Jonathan, em meio ao caos, resolve comer uma bela refeição ianque, mistura de merchandising e patriotada bem vagabunda. Mas é divertido, leve e nem de longe aborrece, pois, mesmo nos momentos sérios, é permeado por aquele humor típico dos filmes norte-americanos oitentistas feitos para consumo na puberdade. Com Gotcha: Uma Arma do Barulho aprendi inúmeras coisas, como, por exemplo, a nunca acreditar que uma linda mulher, com jeito e sotaque de espiã, possa se interessar por alguém apenas por não gostar de homens peludos. Óbvio, não é para levar a sério, mas a picardia remete ao tempo (nem tão longínquo assim) em que cinema de entretenimento para adolescentes e jovens adultos não era totalmente imbecilizante.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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