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Crítica


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Sinopse

Na intenção de se dedicar de corpo e alma ao aprimoramento do balé, uma mulher vive afastada do filho pequeno. Anos mais tarde, quando eles tentam se reaproximar, surge bem mais do que um amor materno e filial.

Crítica

A premissa se prestaria a um escândalo. Nadja (Sarah Nevada Grether), bailarina renomada, reencontra enfim o filho adolescente que deixou sob os cuidados da avó da criança, como resultado de uma gravidez durante a juventude. Ao se deparar com Mario (Emil von Schönfels) muitos anos depois, sente uma súbita atração sexual, nunca rejeitada pelo garoto. Mãe pede ao rapaz para tocar seu pênis, e depois os dois fazem sexo. Dormem, acordam, repetem a dose. Aos poucos, iniciam um relacionamento na cama de solteiro do menino, enquanto a mãe de uma, e avó de outro, escuta os gemidos no quarto ao lado, sem manifestar surpresa ou incômodo. Nadja pergunta gentilmente a Mario: “Mudou alguma coisa, aqui dentro de mim?”. Grand Jeté (2022) abraça o tabu do incesto, um dos únicos a atravessar todas as culturas ancestrais e modernas, segundo a antropologia. Há grupos sociais que permitem a pedofilia, o canibalismo, o suicídio em nome da honra, porém a maternidade permanece sagrada, intocável. A ideia de um indivíduo penetrando a vagina por onde nasceu soa violenta, antinatural. Ora, o filme esclarece que o desejo parte da mulher, ao invés do adolescente, de modo a evitar a vilanização dele. Em paralelo, ela tampouco será transformada numa ninfomaníaca perversa ou doentia: a precaução inicial deste longa-metragem consiste em retirar qualquer julgamento moral da ciranda afetiva. Caso o espectador deplore as ações, ele o fará sem o endosso do ponto de vista da direção.

Este seria o verdadeiro aspecto escandaloso do filme: a representação naturalizada, mesmo banalizada, de um tabu. Para garantir que existe tanto carinho quanto desejo recíprocos, oferece-se um banquete de cenas de masturbação explícita, nudez e insinuações de fetiche sadomasoquista. As relações de poder se invertem: o filho passa a dar as ordens, ensinando a mãe a respeito sobre as regras implícitas deste namoro. Apesar destas escolhas incisivas, a câmera se mantém distante do pênis ereto, da penetração e do orgasmo. Isabelle Stever estabelece limites éticos em sua abordagem: sexo e nudez são permitidos, visto que necessários à crença do espectador na atração física, e dignos de ter seu caráter moral desconstruído. No entanto, a concretização de algo real (sexo oral ou orgasmo verídico, por exemplo) retiraria o filme do ambiente simbólico para jogá-lo numa forma de violência não simulada, infligida aos atores. A cineasta prefere permanecer no terreno de uma masculinidade e feminilidade simbólicos: a mãe é uma respeitada e veterana bailarina, dominando seu corpo e suas dores com a rígida elegância das dançarinas profissionais. Já ele ganha dinheiro como instrutor de musculação, além de participar de competições onde amarra pesos de 10kg no escroto e no pênis, suportando a dor com maior facilidade do que os adversários. Quer maior prova de virilidade do que um pênis literalmente forte?

Se não domina a arte da sutileza, o longa-metragem se mantém coerente na exteriorização de todo e qualquer sentimento pelo corpo dos protagonistas. O roteiro demonstra verdadeira obsessão pelas bocas invadidas por dentistas, a comida devorada em segredo, os músculos moldados na academia de ginástica ou balé, a liberdade expressa nas danças em festas (vide a belíssima cena do improviso contemporâneo da mãe, desfocado ao limite da abstração). Ao mesmo tempo, existe um perigo de ruptura desses corpos explorados para além das regras sociais: Nadja masturba-se com uma tesoura, e depois é penetrada por uma bengala, em paralelo às competições de força de Mario, mencionadas acima. É curioso que a obra dirigida por uma mulher seja tão obcecada pela genitalidade do garoto, enquanto preserva a intimidade da bailarina — seria uma revanche simbólica após décadas de exploração feminina pelos olhos de diretores homens? Além disso, o cinema está repleto de personagens femininas que atingem um grau altíssimo de excelência nas artes, sofrendo em consequência com a incapacidade de manter uma família funcional e uma sexualidade saudável. A produção alemã guarda semelhanças com A Professora de Piano (2001), de Michael Haneke (o relacionamento perverso com a mãe, o prazer da automutilação, a exploração afetiva de um rapaz mais novo) e Cisne Negro (2010), de Darren Aronofsky (a dor como ferramenta de excelência, o pavor de ser substituída por outra mulher). Os homens recebem tratamento equivalente, quando se tornam ícones do balé, da música, do teatro?

De qualquer modo, Grand Jeté embala esta representação numa configuração estética tão surpreendente quanto o seu tema. A fotografia aposta numa janela estreita, próxima do quadrado, e utiliza a película granulada (16mm, talvez), enquanto utiliza algum estabilizador de imagem básico para fazer os enquadramentos dançarem tanto quanto os personagens. A câmera acompanha as costas da protagonista durante longos minutos, antes de seguir apenas os pés das alunas em curso de balé, e enquadrar a chegada de ambos ao apartamento num estranho plongé angulado. Enquanto o debate controverso adquire um contorno banal, as cenas do dia a dia adquirem um aspecto de estranhamento. O fluxo de imagens se assemelha a um sonho — ou pesadelo, dependendo do ponto de vista. Nenhuma ação é antecipada ao espectador: descobrimos mudanças de casa e términos de namoro somente quando se encontram em andamento. Em paralelo, Stever imagina o que restaria do dilema moral caso a sociedade fosse retirada de cena. As dúvidas esperadas deste conflito (Até quanto sustentarão o relacionamento? O que dirão as outras pessoas?) são suprimidas: mãe e filho expressam sua paixão em público, durante o dia, nas ruas, sem represálias. Aos poucos, a câmera tremida se acalma, o namoro se torna corriqueiro, e o furor abaixa. Ao converter um relacionamento proibido numa história de amor comum (ou seja, ao não provocar um escândalo), a cineasta oferece a abordagem mais simples e mais incômoda possível.

Filme visto no 72º Festival Internacional de Cinema de Berlim, em fevereiro de 2022.

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Crítico de cinema desde 2004, membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema). Mestre em teoria de cinema pela Universidade Sorbonne Nouvelle - Paris III. Passagem por veículos como AdoroCinema, Le Monde Diplomatique Brasil e Rua - Revista Universitária do Audiovisual. Professor de cursos sobre o audiovisual e autor de artigos sobre o cinema. Editor do Papo de Cinema.
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