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Sinopse

Enquanto Peter Quill tenta se acostumar com a perda de Gamora, o ataque de um ser desconhecido coloca um dos Guardiões da Galáxia entre a vida e morte. É então a hora de arregaçar as mangas e ter uma nova aventura.

Crítica

Apesar do sucesso colossal há cerca de 15 anos – desde Homem de Ferro (2008) –, o Universo Cinematográfico Marvel sempre deixou margem de razão aos seus detratores, especialmente àqueles que denunciaram a crescente e incômoda sensação de padronização. Se fizemos uma retrospectiva, observando os filmes lançados desde então, veremos que o projeto de construir diversas realidades prontas para convergir em espetáculos grupais (os longas-metragens dos Vingadores) trouxe aspectos de senso comum como efeito colateral. Claro, alguns produtos conseguiram ter vida própria. E talvez nenhum deles com a personalidade dos filmes-solo dos Guardiões da Galáxia. Tanto que James Gunn, o diretor responsável pela agora trilogia do time, foi contratado para ser um dos chefes de entretenimento da rival da Marvel, a DC Comics, logo considerado alguém capaz de injetar vivacidade na propriedade intelectual vizinha. Guardiões da Galáxia Vol. 3 é um fechamento adequado para essa trajetória que tornou mundialmente conhecidos personagens pouco frequentes até no imaginário de muitos admiradores de HQ. O primeiro ponto positivo da nova empreitada é justamente o fato de Gunn não ficar abrindo portas para a entrada de outras figuras do Universo Marvel. Diferentemente de Pantera Negra: Wakanda Para Sempre (2022), a trama não é uma desculpa para conectar elementos de um universo.

Guardiões da Galáxia Vol. 3 tem como o seu centro dramático o carismático Rocket (voz de Bradley Cooper). O passado triste do guardião é finalmente revelado ao longo do filme, por meio de sucessivos flashbacks. Antes visto como um coadjuvante das desventuras do humano e melhor amigo Peter Quill (Chris Pratt), Rocket é abatido durante um ataque inesperado do poderoso Adam Warlock (Will Poulter) e daí em diante permanece (até o começo do terceiro ato) como um corpo inerte lutando contra a improbabilidade de sua sobrevivência. James Gunn recorre às memórias do guaxinim guerreiro para nos oferecer certo contexto, dentro do qual conhecemos o grande vilão da vez: o Grande Evolucionário (Chukwudi Iwuji), ser superpoderoso que faz experiências biológicas a fim de construir uma sociedade perfeita. Entremeando essas lembranças de um Rocket entre a vida e a morte com os movimentos (ora atrapalhados, ora heroicos) de seus colegas para salvá-lo, o cineasta desenha um percurso em que a emoção frequentemente dá polimento às gracinhas de Quill e companhia. Enquanto o humano decide invadir uma bem protegida corporação para encontrar dados vitais às chances do amigo, compreendermos a irritabilidade e dificuldade de confiar do guaxinim. Ele é encarado como trágico, levado pelas circunstâncias a viver com uma dor enorme, tanto física quanto psicológica.

Ainda que não fique abrindo espaços forçados à entrada de outras figuras do Universo Marvel, Guardiões da Galáxia Vol. 3 certamente dá um passo em direção ao futuro. Além disso, a ameaça não é um ser de poderes inimagináveis que pode dizimar parte da galáxia com um estalar de dedos ou ainda alguém dotado da capacidade de transitar livremente pelo multiverso. Nessa terceira aventura solo dos Guardiões da Galáxia, o inimigo simboliza a barreira a ser transposta para o novo herói ascender ao protagonismo. Há um quê psicanalítico nessa ideia de um “filho” subjugando a figura opressora do “pai” em busca de emancipação. Portanto, Rocket é colocado na contramão de uma tendência recente da Marvel, a de elaborar o amadurecimento emocional e psicológico dos super-heróis por meio da paternidade. Ele é a criação, a criatura que precisa se rebelar contra os propósitos da réplica tresloucada do Dr. Frankenstein a fim de sair da sombra e tomar seu lugar de direito ao sol. Mas, antes de o guaxinim guerreiro se erguer e pegar em armas, temos boas doses de ação embalada pela trilha sonora especialíssima e recorrentes piadas com os pontos fracos dos personagens. Quill reencontra Gamora (Zoe Saldana), Nebula (Karen Gillan) parece ciumenta, Drax (Dave Bautista) continua sem noção e Mantis (Pom Klementieff) ganha merecido destaque. O toque irreverente de James Gunn segue funcionando.

Não demora para percebermos que o mais novo longa-metragem da Marvel é um divisor de águas à história do grupo. Especialmente no terceiro ato, a morte e a separação são elementos constantes. Ainda dentro da personalidade impressa por James Gunn num universo calculado e tão propenso à estandardização, os efeitos digitais são bem costurados com os práticos a fim de não deixar a sensação de tela sem textura nos cenários e nas lutas. A ação surge para oferecer as catarses em circunstâncias nas quais somos convocados a torcer por redenções, reviravoltas e a improvável vitória dos desajustados sobre a figura que clama o direito de sentar no trono destinado às divindades. Guardiões da Galáxia Vol. 3 não apresenta nada de tão novo, pois seu princípio norteador é manter a coerência estabelecida pelos dois longas que o precederam. Com direito à cadela comunista turbinada por poderes telecinéticos (ela poderia ser mais bem aproveitada na trama), o filme enfatiza a amizade como fundamental ao êxito dos Guardiões. Reverberando algo do passado triste de Rocket, James Gunn defende a ideia de que família é quem nos acolhe e acode, não necessariamente os outros galhos e raízes da nossa árvore genealógica. Antes do “até logo” do encerramento, é forjada uma nova comunidade em meio à aventura. E ela não resulta dos ímpetos de onipotência do tirano, mas da nobre solidariedade.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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