Crítica
Leitores
Sinopse
Gianfrancesco Guarnieri foi ator de grande sucesso na televisão, autor fundamental na história do teatro brasileiro e imagem-síntese do artista engajado. Seus filhos Flávio e Paulo, também atores, assumiram um total distanciamento entre arte, trabalho e política. A partir desses dois retratos geracionais, o neto e diretor Francisco procura refletir sobre o papel do indivíduo na sociedade, na arte e na família.
Crítica
“O homem deve ter um posicionamento não porque é um artista, mas porque é um homem”. Assim funcionava a mente de um dos maiores e inesquecíveis atores brasileiros. Falecido em 2006 por conta de uma crise renal crônica, Gianfrancesco Guarnieri deixou um legado nas artes cênicas e na política por suas fortes convicções sociais. O documentário Guarnieri, dirigido por Francisco Guarnieri, neto do artista, retrata sua vida profissional e pessoal, mostrando diversas nuances do também dramaturgo e como esses diferentes aspectos influenciaram suas relações profissionais e familiares.
Utilizando vários documentos que variam de trechos de filmes, novelas, peças teatrais, fotografias e até arquivos de áudio (como antigas ligações telefônicas íntimas), o neto do primeiro casamento de Guarnieri admite já no início do longa que sua relação com o avô era uma “não relação”, tão bem exemplificada por uma fotografia da família completa. Nessa imagem os dois estão sentados no mesmo banco, com todos os outros consanguíneos em pé ou agachados ao redor. Mas entre os dois há um grande espaço vazio, como se eles não tivessem uma ligação íntima.
Ao longo dos 70 minutos de documentário acompanhamos esse neto questionando a si e a outros familiares sobre como o ator e dramaturgo era tão ativo na vida política e cenográfica, mas parecia distante em relação à vida em casa. Não há julgamentos ou (talvez um leve) ressentimento, mas ao se colocar na posição de alguém que não conhecia o próprio avô na intimidade, apenas esse ativista social tão renomado, Francisco torna-se mais um grande e espectador e admirador.
Não à toa a escolha de Eles Não Usam Black-Tie (1981) e toda a discussão política em cima do filme ao longo da projeção para esmiuçar essa personalidade tão forte. Ao dualizar Otávio e Tião, respectivamente pai e filho no longa (considerada a obra-prima de Guarnieri, tanto no cinema quanto no teatro), há uma forma de questionar o próprio homenageado. Aliás, talvez ‘homenageado’ não seja a melhor palavra para descrever, já que o documentário passa longe de uma habitual biografia. Os arquivos utilizados dão uma ideia ainda mais complexa de quem foi Guarnieri fora das telas ou dos palcos.
Como um dos próprios filhos revela que amava esta figura, antes de tudo, na condição de mito, e não de pai ou amigo, inicialmente, percebe-se que Guarnieri não era alguém que separava a vida pessoal do homem que todo o Brasil conhecia. Era, sim, ele mesmo a todo o momento, numa miscelânea de convicções, personagens e realidade. Nunca perfeito, apesar de suas ideias avançadas e combativas, mas um ser humano como qualquer outro em suas falhas pessoais. Ainda que seus méritos não devam ser desqualificados perante a imensa contribuição dada pelo ator e dramaturgo a todas as artes e ao significado do artista como um todo: alguém que lutava por dias melhores de um país tão permeado por falhas quase irreversíveis em todos os seus âmbitos. Ideias tão necessárias quanto atuais no contexto político social do Brasil de hoje.
Últimos artigos deMatheus Bonez (Ver Tudo)
- In Memoriam :: Joan Fontaine (1917-2013) - 22 de outubro de 2020
- Morte Sobre o Nilo - 10 de março de 2020
- Aspirantes - 1 de novembro de 2019
Deixe um comentário