Crítica
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Sinopse
Crítica
Rodado em Cuba, com elenco cem por cento negro, Guava Island é uma fábula realista sobre as relações de poder e a exploração de uma população que, ao toque do atabaque, coloca de lado os problemas e acende fagulhas de esperança. O protagonista é Deni (Donald Glover), habitante da ilha repleta de matizes e desigualdades sociais. Ele transita diariamente entre a rádio em que se apresenta e o emprego carregando caixas. Sustentada liricamente pela história de ninar transmitida por gerações, segundo a qual aquele lugar, outrora paradisíaco e puro, viu a chegada da violência como resposta ao amor, a trama do longa-metragem dirigido por Hiro Murai alterna instantes musicais, observações concernentes a essa nação subdesenvolvida que representa outras tantas (a equivalência com a vida é seminal), tudo isso com temperos tipicamente caribenhos, sem estereotipar a gente e a cultura norteadoras, pelo contrário, as reverenciado plenamente.
Guava Island é uma terra embotada pela tirania do grupo conhecido como Red, que controla tanto os meios de produção quanto as atividades criminosas. Embora a metáfora da ave engaiolada na residência do líder, Red Cargo (Nonso Anozie), seja um tanto óbvia, ela sintetiza bem o sentimento impregnado no filme. O encanto dos pássaros, assim como o dos nativos, é aprisionado ao bel prazer de um proprietário que, então, se acha no direito de reivindicar a posse e o usufruto da beleza. Deni corresponde ao pássaro azul circunscrito num espaço que não lhe inviabiliza cantar, mas que interdita o voo. Ele é apaixonado por Kofi (Rihanna), costureira numa confecção que utiliza como matéria prima a seda azul típica da região. Ela demonstra cautela em relação ao desafio do poder vigente, temendo pelo futuro do amado, circunstancialmente desmanchando seu semblante franzido para render-se ao charme daquele que canta sua formosura com a natureza ao fundo.
Mistura deliciosa de registros, Guava Island vai da denúncia das agruras enraizadas e consolidadas, como quando Deni encontra os meninos que intentam o assaltar fantasiados – e, imediatamente, a cena remete a Cidade de Deus (2002), uma influência evidente –, ao musical de protesto. Momentaneamente, Donald Glover se transforma em seu alterego, Childish Gambino, respondendo com a já icônica This is America a um colega de trabalho que menciona a vontade de evadir aos Estados Unidos para prosperar. Novamente, o instante oferece uma ponte com a realidade, pois tal movimento foi bastante comum no país que o filme pega emprestado como cenário e inspiração conceitual, especialmente quando a dissolução da União Soviética deixou Cuba a mercê do embargo econômico norte-americano. A arte é observada nessa equação como o elemento potencialmente equilibrador da balança que, de um lado, contém o afeto das pessoas, e, de outro, a selvageria que advém da ganância e da inveja. A ela é dado o poder de salvar Guava e permitir a liberdade.
Não à toa, o desejo de Deni é criar uma música que, durante o festival visto com maus olhos pelo mandatário local, possa unificar o povo, fazendo-o acordar para o absurdo residente na exploração diária de sua força de trabalho, sem direito, sequer, a um dia de descanso. Hiro Murai investiga com potência os elementos culturais caribenhos à disposição, ressaltando os corpos negros, a riquíssima vertente musical dos habitantes da ilha, ainda se valendo da exuberância natural desse lugar assemelhado ao ideal de paraíso, ainda que a pobreza nele faça divisa com os cenários de encher os olhos. Guava Island é o produto desse olhar generoso, do desejo de abordar questões concernentes ao cotidiano, sobretudo, de países subdesenvolvidos, nos quais o sorriso persevera no rosto da população que sofre nas mãos de "desbravadores", colonizadores e afins. Donald Glover domina a tela com seu carisma, encarnando esse herói de raízes africanas, a pedra fundamental da revolução. Rihanna, embora com um papel menos intenso, abrilhanta ainda mais esse conto de amor e resistência.
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