Crítica
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Sinopse
Um grupo de jornalistas percorre os Estados Unidos chacoalhado por uma tensão social a fim de registrar todos os acontecimentos.
Crítica
Primeiro, importante desconstruir algumas ideias errôneas a respeito deste filme, muitas delas geradas por um marketing um tanto traiçoeiro. Guerra Civil não é a superprodução de milhões de dólares (seu orçamento foi de US$ 50 milhões, um valor alto, mas ainda assim considerado modesto para os padrões hollywoodianos, cujos blockbusters facilmente ultrapassam o dobro deste montante) e repletos de cenas de ação e efeitos visuais mirabolantes como o trailer e demais vídeos de divulgação davam a entender. O que Alex Garland busca com esse projeto é propor uma discussão, um esforço sempre válido em um cinema conhecido mais pela ação do que pela reflexão. Porém, por mais que esse intento mereça ser reconhecido, o debate que busca está longe de ser inédito ou mesmo original. Há também, em uma outra camada, um entendimento suplementar de forte caráter politico que não pode ser ignorado. Assim, menos produto de entretenimento eficiente e mais material de análise dotado de alguns vieses um tanto controversos, eis aqui um longa difícil de se ignorar ou mesmo não atestar sua relevância, ainda que nem sempre essa aponte numa mesma direção de seu discurso.
Há apenas quatro nomes dignos de atenção no elenco. Kirsten Dunst, o destaque em cena, é Lee, uma famosa – e bastante respeitada – jornalista fotográfica, conhecida por seus registros em zonas de conflito ao redor do mundo. Seu parceiro de reportagem é Joel (Wagner Moura, com um inglês bastante desenvolto e em sua melhor aparição numa produção norte-americana desde Elysium, 2013, mais de dez anos atrás), um repórter igualmente especializado neste tipo de matéria. Os dois estão em um Estados Unidos atravessando uma das maiores disputas internas de sua história, com cidadãos lutando contra compatriotas e um governo central fraco e sem saber exatamente para onde ir, desrespeitado pela maior parte da população e incapaz de atender às demandas que lhes são impostas. Com o intuito de dar uma voz a este momento tão complicado, a dupla ambiciona ir até Washington para uma entrevista derradeira com o atual líder, por mais que o acesso a ele esteja sendo negado há meses e o caminho até lá se mostre o mais complicado possível.
Trata-se, portanto, de um filme de estrada – um road movie, gênero que desde Sem Destino (1969) tem se tornado uma referência em Hollywood – que, enquanto estrutura, não evita de percorrer uma fórmula pré-estabelecida: ao saírem de um ponto rumo a outro no qual o desfecho da trama deverá ocorrer, estes personagens passarão por uma série de episódios distintos, uns apaziguadores, outros mais tensos, mas nada grave o suficiente a ponto de afetar essa ordem pré-estabelecida. Este conceito é perseguido de perto, sem maiores reviravoltas. Aos protagonistas juntam-se ainda dois tipos específicos: o veterano, Sammy (Stephen McKinley Henderson, de Duna: Parte 1, 2021), a quem inevitavelmente recairá o destino da descartabilidade proporcionada pela idade avançada (uma ideia não apenas ultrapassada, mas potencialmente problemática), e a novata, Jessie (Cailee Spaeny, comprovando que a composição que entregou em Priscilla, 2023, talvez não seja exceção, e, sim, o seu real modus operandi). Estes surgem como extremos de uma mesma dinâmica, a ânsia por experiência e o cansaço pela repetição, mostrando lados distintos de uma mesma moeda. Uma conclusão, portanto, bastante óbvia.
Ao optar por concentrar suas atenções na relação entre tutora e aprendiz, Garland – não só diretor, mas também roteirista – recai em outra disposição esquemática e da qual se verifica fácil antecipar os movimentos. Lee e Jessie são versões de uma mesma mulher, ambas querem a melhor imagem, ao mesmo tempo em que questionam o preço a ser pago para alcançar esse objetivo. É mais ou menos o debate presenciado em títulos como Repórteres de Guerra (2010) e Mil Vezes Boa Noite (2013), mas não para por aí, estendendo-se até clássicos como Janela Indiscreta (1954) ou Blow-Up: Depois Daquele Beijo (1966): ou seja, até que ponto aquele por trás da câmera tem o direito – ou não – de se manter à parte dos eventos que estão diante de si? Ao se assumir enquanto parte de uma equação, teria esse elemento o direito de não interferir no resultado final, mantendo-se apenas como observador? São questões, enfim, cujas respostas estão longe de serem unânimes ou mesmo fáceis de serem encontradas. Portanto, toda nova luz jogada a essa controvérsia será bem-vinda. Mas é importante se perguntar: Guerra Civil de fato agrega algo a uma conversa iniciada há muito tempo, ou apenas se aproveita de uma lógica já em andamento para sugerir uma troca que no final pouco avança em termos de profundidade?
Se por um lado Garland dota sua obra não apenas de forma, mas também de conteúdo, algumas das decisões a quais expõe seus personagens também servem como material de argumentação. Afinal, por mais que o ponto de vista perseguido não seja de um lado ou de outro do embate bélico, o que se mostra saudável, ao mesmo tempo essa indecisão joga no colo de um outro qualquer posição mais assertiva, como se estar em cima do muro fosse o mais confortável – e permitido – em casos como os aqui percebidos. Vide a cidade que simplesmente “decide” não fazer parte da rebelião, por mais que esta instância se mostre uma falácia bem orquestrada. Da mesma maneira, o radicalismo de alguns – inclusive daqueles à frente dos acontecimentos – termina por prejudicar uma leitura menos contaminada, como se não houvesse mais espaço para o diálogo, restando apenas a eliminação daquele que ousa se opor. A exclusão enquanto solução não pode ser um ideal, por mais antagônicas que sejam as posturas de um ou de outro. Se essa, em última instância, é a linha seguida por Guerra Civil, talvez o problema seja maior do que a influência que uma mera peça de ficção possa exercer. E essa, portanto, se mostra a maior das reflexões aqui propostas.
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