Crítica
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Sinopse
O conclave do Vaticano é convocado para eleger um novo papa. Uma vez escolhido quem ocupará o Sumo Sacerdócio, começam os preparativos do anúncio. O novo papa entra em pânico. Um terapeuta é chamado às pressas.
Crítica
E logo Jesus, estendendo a mão, segurou-o, e disse-lhe: Homem de pouca fé, por que duvidaste?
E, quando subiram para o barco, acalmou o vento.
Mateus 14:31-32
Através da arquitetura suntuosa de seus prédios, o Vaticano reforça o mistério da fé. Habemus Papam descerra as imponentes portas da Igreja Católica durante a eleição do seu novo pontífice. O evento, de importância crucial para milhões de fiéis ao redor do mundo, serve como entrada para abordar a partir de uma visão humana e com humor inabitual – dada a casmurrice com que a religião tem sido tratada nas últimas décadas – os dias daqueles por detrás da instituição.
Dirigido e escrito por Nanni Moretti, o filme acerta ao contrastar conteúdo e forma. Aproveita-se a reunião das figuras proeminentes do cristianismo para colocá-los sob a ótica dos acontecimentos mundanos. Se feitos do mesmo material que qualquer mortal, então estes estão igualmente sujeitos a se depararem com a falta de luz, com a curiosidade pelo voto alheio e às tentações de visitarem Roma em busca de um simples doce divino*. De maneira singular, Moretti consegue expor a crença e a disciplina religiosa como compatíveis às inclinações humanas, proporcionando a imagem de uma religião composta por homens e não por super-homens.
Entretanto, a leveza no tratamento do tema não pode nos levar a desviar do tema central de Habemus Papam. A marca da comédia atravessa toda a obra, mas o que a justifica é o ponto desenvolvido a partir do personagem de Michel Piccoli . O ator interpreta o Cardeal Melville, sujeito cuja eleição unânime para assumir o comando da Igreja era completamente inesperada. Para a religião, o chamado de Deus é uma ordem; para o religioso, uma incumbência. De uma noite para a outra, Melville se depara com a mudança. A responsabilidade de seguir se transformou na de conduzir e despertou nele as características mais instigantes da natureza humana: o medo e a dúvida. Ambas constituem o estado psicológico que perseguirá o protagonista diante da tribuna para saudar os fiéis ou na solidão de seus aposentos. É inserido juntamente ao dilema religioso o personagem do psicanalista interpretado pelo próprio Nanni Moretti. Na angústia de não poder anunciar o novo Papa e perceber a hesitação do eleito, os assistentes do pontífice buscam na psicanálise a resposta para a indecisão. À parte a piada óbvia, a sutileza com que o diretor apresenta a ocupação do secular no campo do religioso merece uma reflexão de dimensões maiores que as produzidas no imediatismo da sala de cinema.
Por vezes, o roteiro de Moretti, em parceria com Francesco Piccolo e Federica Pontremoli, peca ao praticar a dispersão ao invés da unidade. O problema – recorrente no gênero cujo aparecimento dos personagens muitas vezes se justifica unicamente por uma gag – não interfere para a constatação de que os elementos presentes na narrativa buscam um objetivo definido. Assim é na boa cena em que ouvimos Todo cambia, clássico de Mercedes Sosa, ou na bela movimentação de Melville junto aos fiéis na Praça de São Pedro. Simples e corajoso, o desfecho guarda em si um convite ao mesmo tempo leve e sério para pensarmos o estado das coisas e o caminho para o qual apontamos.
*o autor assume a responsabilidade pelo trocadilho infame
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Grade crítica
Crítico | Nota |
---|---|
Willian Silveira | 8 |
Edu Fernandes | 7 |
Ailton Monteiro | 6 |
Alysson Oliveira | 8 |
Ticiano Osorio | 8 |
Wallace Andrioli | 7 |
Chico Fireman | 7 |
MÉDIA | 7.3 |
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