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Sinopse

A vila Ribeira Quente, localizada na Ilha de São Miguel, em Portugal, se sustenta com a pesca. O lugar, porém, sofre por ficar esmagado entre o oceano e a costa de um vulcão — e a pesca como os habitantes conhecem pode acabar. Todos lutam por dias normais, enquanto a vida continua, mesmo com os peixes ficando escassos.

Crítica

Portugal, Ilha de São Miguel. Devido à configuração natural dos Açores, a pesca se torna a principal atividade praticada pelos habitantes da vila Ribeira Quente. Por isso, ao propor um documentário a respeito dos moradores da região, o diretor Rodrigo Areias busca compreender em que medida o mar determina o imaginário daquela região, o dia a dia, as tradições – ou seja, o quanto se fala e pensa no mar, mesmo quando se está em terra. Ao começar pela linguagem literalmente poética – um faroleiro recitando versos em off, dotado de uma voz grave que ecoa distante, como num sonho – o filme se impregna do real e do imaginário, de dados e de lirismo.

Hálito Azul jamais abandona este caminho intermediário entre o documentário de observação, ainda que contrário ao olhar etnográfico, e o documentário lúdico, espécie de homenagem e evocação deste povo pela relação com as águas. O próprio título embarca na sinestesia ao supor pessoas impregnadas de azul, transbordando de mar e de pesca, como se não pudessem mais se separar da natureza. O diretor representa muito bem a ambiguidade da natureza, que constitui tanto uma preciosidade quanto uma maldição – os habitantes estão presos a esta atividade econômica em declínio, e não possuem possibilidades de fuga devido à situação financeira precária. “No inverno, os ventos não me deixam fechar a porta”, explica o faroleiro, num misto de orgulho e reclamação contra esta natureza poderosa que ele admira e teme em igual medida.

O filme efetua um amplo estudo do que seria a cultura da pesca, num sentido amplo do termo. Por um lado, mostra reuniões de pescadores analisando a quantidade de peixe vendido e brigando contra as tendências à modernização, por outro lado, evoca as festas a padroeiros típicos dos pescadores, os poemas, as canções e as peças de teatro que misturam a religião cristã com a adoração quase pagã à natureza enquanto divindade. Evoca-se a noção de ressaca do mar associada à ressaca dos homens, que bebem muito para esquecer os problemas, e para reafirmar sua posição de domínio diante das mulheres, como convém a um núcleo conservador e pouco cosmopolita, pois literalmente insular.

Areias possui excelente controle estético em sua observação silenciosa, tão próxima quanto alheia às intervenções. Mesmo com eventuais instantes ficcionalizados – a presença de sereias – o projeto retrata seus personagens ora numa proximidade fraterna (as viagens dentro dos barcos de pesca), ora numa admiração distante, ao limite do voyeurismo (as confissões elaboradas por pescadores ao longe, mas com som impecavelmente captado e editado). O cuidado com a iluminação das cenas externas é precioso, assim como a boa medida encontrada entre valorizar o humano dentro da natureza ou a amplitude da natureza dentro da qual vivem alguns humanos. A conjunção dos planos próximos, humanizados e empáticos (a cantoria no bar) e dos planos abertos sobre o horizonte de águas (as cenas do farol, ou da pesquisadora caminhando) resulta em louvável equilíbrio estético e narrativo.

Talvez Hálito Azul se ressinta da falta de uma ou outra cena mais forte (violenta, dissonante, que seja) para romper com a placidez do conjunto. A montagem, por mais que imprima um ritmo coeso, não consegue construir uma narrativa propriamente dita, deixando que a pluralidade de temas sociais, políticos e econômicos seja dispersa sem se encaminhar a um discurso preciso. Em outras palavras, é possível que falte textura a esta exposição imperturbável e fria da vida à beira mar. O apego àquela vida tradicional é evocado com saudosismo pelos mais velhos, que conferem ao resultado um curioso distanciamento. Não por acaso, o filme se inicia por uma cena muito semelhante àquela da conclusão, num olhar cíclico que devolve a ilha à própria ilha, percorrendo o local sem abrir seu significado ao mundo que a cerca. Para o bem ou para o mal, esta investigação humana permanece um tanto hermética.

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Crítico de cinema desde 2004, membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema). Mestre em teoria de cinema pela Universidade Sorbonne Nouvelle - Paris III. Passagem por veículos como AdoroCinema, Le Monde Diplomatique Brasil e Rua - Revista Universitária do Audiovisual. Professor de cursos sobre o audiovisual e autor de artigos sobre o cinema. Editor do Papo de Cinema.
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