Crítica
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Sinopse
O assassino Michael Myers prova ser uma personificação do mal ao sobreviver aos fatos ocorridos em Halloween Kills: O Terror Continua (2021). Mas, Lauri está disposta até a morrer para colocar um fim no legado do homicida.
Crítica
O fim do início do fim. Esse poderia ser o subtítulo de Halloween Ends, que, como o próprio batismo anuncia, trata-se do capítulo derradeiro da trilogia imaginada por David Gordon Green e Danny McBride e que se encarrega de oferecer uma sobrevida ao mítico Michael Myers, criado por John Carpenter e Debra Hill no clássico Halloween: A Noite do Terror (1978). Porém, se o assassino em série permanece como uma ameaça quase sobrenatural – a ele é conferido nome e sobrenome, origem e motivações, ao mesmo tempo em que seus atos desafiam lógica e razão – o verdadeiro protagonismo permanece com a forte figura de Laurie Strode, vivida por uma Jamie Lee Curtis cada vez mais à vontade com o legado que lhe compete. Filha da icônica Janet Leigh – a inesquecível Marion Crane, que termina abatida na clássica cena do chuveiro de Psicose (1960) – e do galanteador Tony Curtis – para sempre lembrado como o bandido em fuga que cai de encantos por Marilyn Monroe em Quanto Mais Quente Melhor (1959) – ela resgata o melhor que aprendeu com os pais – a expressão de espanto e a capacidade de renascer sob as condições mais adversas – em uma história que, enfim, não apenas lhe faz jus, mas também oferece o merecido descanso pelo qual há tanto aguardava.
Porém, obviamente, quem estaria pronto para dar um adeus definitivo à Michael Myers? Se até na ficção aqueles afetados por terem conhecido suas vítimas ou mesmo por estarem familiarizados com as consequências dos seus atos seguem se referindo a ele em qualquer oportunidade, como seria para os fãs no lado de cá da tela, que veem em suas atitudes uma válvula de escape e retomada de energia contra todos os abusos da vida real? Myers é, como mencionado em cena em mais de uma ocasião, não apenas um ser maléfico, mas o mal em pessoa. O que o move é a destruição, a eliminação, o descarte e o desfecho. Não há por que partir em busca de explicações elaboradas ou raciocínios elevados: trata-se de puro instinto, tal qual um animal ferido. Curar-se, portanto, é sua missão única e essencial. E assumir esse entendimento é o primeiro passo para, enfim, estar apto a enfrentá-lo.
Esse discurso a respeito da necessidade de sanar-se frente aos descasos da sorte e dos maus-tratos impostos por outros é imposto pela narrativa desde o prólogo, mas agora a partir de um distinto ponto de vista. Corey (Rohan Campbell, visto em séries como Virgin River, 2019-2022, e The Hardy Boys, 2020-2022) é um rapaz de futuro, que economiza pensando em sua educação e aceita trabalhos paralelos às obrigações da escola. Quando chamado por um casal para ser babá por uma noite, não esperava ter que lidar com um garoto disposto a lhe pregar uma peça. Ainda com a memória viva do que Michael Myers fez na cidade há poucos anos, em plena noite de Dia das Bruxas os dois se veem sozinhos em uma mansão de diversos andares e dormitórios, todos, invariavelmente, mal iluminados. Em meio a uma brincadeira improvisada de esconde-esconde, o mais velho se vê preso no sótão, e no desespero para se libertar, ainda que por descuido, acaba conduzindo o que estava sob sua proteção a uma grave tragédia que tem a criança como vítima. Foi um acidente, a justiça reconhece, mas para todos na cidade, será mais um triste episódio do qual ninguém estará disposto a esquecer – e muito menos perdoar.
Levando consigo essa marca, o rapaz se torna um pária. Não tardará, portanto, para que o caminho dele se cruze com o de ninguém menos do que o de Michael Myers. Haverá entre os dois uma conexão, como uma passada de bastão. A questão se torna grave, porém, quando Laurie percebe no jovem uma forte carência, e trata de acolhê-lo sob suas asas – e, em decorrência, apresentando-o à neta, Allyson (Andi Matichak, reprisando o papel dos dois capítulos anteriores). Porém, quando os jovens começam a sair juntos, percebe ter cometido um erro, e passa a sentir pela segurança de sua família. Corey, nesse ponto, se revela o tipo mais interessante do elenco, pois é tanto perigo quanto alguém a ser salvo. Até que ponto aquele que é pressionado estará disposto a se curvar sem que, enfim, entre em ebulição? Como uma corda por demais distensionada e prestes a se romper, é sobre ele que recaem as frustrações e os traumas de uma cidade, fazendo de sua presença não apenas uma memória da qual todos possuem sua parcela de culpa, como também um lembrete do qual a maioria se esforça em não reconhecer responsabilidade. Strode é a exceção. E assim, estará consigo o desafio não apenas de ir contra suas expectativas, mas também em fazer dele, se não um aliado, um risco a ser contornado.
Após um início claudicante e um intervalo decepcionante, essa trilogia Halloween retoma seu rumo com Halloween Ends, projeto que exibe coragem em levar a promessa do título às últimas consequências, mas também desfila respeito por oferecer aos seus icônicos personagens um desfecho à altura das desventuras sofridas por décadas. Se a ideia de fazer de Corey um novo vilão é percorrida apenas em parte, o embate final entre Strode e Myers é poderoso o bastante para levantar os ânimos até dos mais descrentes na audiência, explorando não apenas elementos recorrentes do gênero, mas também introduzindo opções contextualizadas e próprias a um discurso atento aos novos tempos. As possibilidades de entendimento, o esforço para ouvir o outro e estabelecer um diálogo, a busca por compreensão e empatia são atributos hoje em falta, providos pelo excesso de ódio e lacração sustentado pelas redes sociais, mas que aqui revertem na ambição por um bem maior e comum. Michael Myers se foi, mas não sem antes deixar sua marca. E se a máxima afirma que “rei morto, rei posto”, Gordon Green subverte essa leitura ao fazer daquela que mais chagas carrega a sua verdadeira heroína. A sobrevivente que ficou para contar. E a história continua, por mais que o público seja levado a não acreditar no óbvio.
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