Crítica
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Sinopse
Hamlet é obrigado a enfrentar um turbilhão de emoções ao saber que o pai, o rei da Dinamarca, foi assassinado pelo tio inescrupuloso.
Crítica
O que há de novo a ser dito sobre aquilo que todos já falaram? Em certo trecho de Hamlet, nova versão da obra do bardo inglês agora pelas mãos do diretor e roteirista paulista Cristiano Burlan, um dos atores, em um depoimento pré-ficção, opina que “o fato de Shakespeare ser tão popular até hoje é um bom exemplo não da sua atualidade – afinal, sua obra foi escrita séculos atrás – mas, sim, do fato de que não evoluímos”. Se isso é verdade ou não, cabe aqui uma análise mais profunda – que nem o filme, muito menos esse texto possuem condições de oferecer. Mas o que é, sim, evidente é que esta é provavelmente a mais popular das obras do escritor – ao lado de Romeu e Julieta, é bom ressaltar – e assim como todos a conhecem, também diante dela se intimidam. Exatamente o que aqui acontece, mais uma vez.
Nas últimas décadas, a história do príncipe dinamarquês cujo fantasma do pai assassinado retorna para lhe alertar da conspiração que resultou em sua morte, clamando por uma vingança enérgica, recebeu diversas transposições para a tela grande. Desde as mais fiéis, como a de Kenneth Branagh (de 1996) ou a de Franco Zeffirelli (de 1990), como outras mais ousadas, como a futurista estrelada por Ethan Hawke em 2000 ou a sexualizada e experimental escrita, dirigida e estrelada por Bruce Ramsay (em 2011). Nenhuma, no entanto, arriscou tanto em uma reinterpretação assumidamente artificial e, ao mesmo tempo, contemporânea. Se no início estamos num palco, com atores à espera do momento certo para abraçarem seus personagens, logo essa divisão se desfaz, e um e outro se intercalam conforma o desenrolar da narrativa. Nem sempre a transposição de um lado para o outro é satisfatória, e estes tropeços não deixam de ser sentidos pela audiência.
Após uma visão ampla de uma grande metrópole, somos convidados a deixar os ambientes abertos para trás e adentrarmos na intimidade e na aflição destes seres em crise. Hamlet suspeita de todos e não conta com o apoio de ninguém. Sua mãe, Gertrude, está tão ligada ao ex-cunhado – e agora marido – Claudius que pouco se dá conta do que está acontecendo. E Ofélia, a prometida do protagonista, sofre pelas incertezas que os rodeiam. Cada um vai caindo aos poucos, como num jogo de xadrez em que as peças vão sendo derrubadas. Mas cada vez que tentamos nos ater à trama, a investigação narrativa aqui empreendida impede tal conexão. Vai-se da ficção ao documental, do teatral ao naturalista, das marionetes de brinquedo ao devaneio filosófico da videoarte. A inconstância é reflexo dos dilemas vividos por aqueles em cena, mas também soam como uma experimentação exagerada que, em última instância, acabam levando a lugar algum.
Cristiano Burlan, diretor do premiado documentário Mataram Meu Irmão (2013), tem em Hamlet sua aposta mais radical. Tanto ele como a maioria do elenco, como Henrique Zanoni, que vive o personagem-título, são professores e teóricos, e o filme que entregam é um legítimo produto de uma visão nada convencional de um texto clássico. Apenas refazer o que já fora feito não teria sentido, mas por outro lado não se poderia descaracterizar a obra a ponto de ficar irreconhecível. Se os diálogos continuam empolados e distantes da realidade, por outro percebe-se a limitação em cenários, figurinos e até mesmo na fotografia, em preto e branco mais por falta de opções do que por estímulo técnico. Shakespeare tinha muito a dizer com esta história, e é gratificante encontrar por aqui alguma ressonância a este discurso. Lamenta-se, no entanto, o hermetismo da atual proposta, que exclui a possibilidade de um alcance maior.
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