Sinopse
Crítica
Hannah está se arrumando. Ela acabou de preparar um bolo, o mesmo que o seu menino tanto gostava quando criança. Só que esse de agora tem outro destino: será para a comemoração do aniversário do neto. Carregando numa mão o doce e em outra um presente muito bem embrulhado, ela sai de casa. Sozinha, enfrenta uma longa viagem de metrô, mais uma caminhada da estação até o lugar da festa. Quando se aproxima, assim que o menino a vê, sai correndo para abraçá-la. Essa felicidade tão instantânea logo é interrompida pelo próprio pai, seu filho. “Você não é bem-vinda aqui. Por favor, vá embora”, pede ele, autoritário, sem lhe dar chance de argumentação, ao mesmo tempo em que empurra o garoto para casa. Ela é deixada no meio da rua, e nada do que carrega consigo poderá mudar essa condição. Assim é Hannah, longa escrito e dirigido por Andrea Pallaoro: um soco no estômago sem aviso nem meias palavras, que atinge direto onde mais dói, através um mergulho na dura e fria realidade dessa mulher devastada pelo nada que lhe foi deixado.
Logo na primeira cena, a encontramos em um grupo de teatro, fazendo exercícios vocais. Ela precisa extravasar, sentir diferentes emoções, viver vidas distantes daquela que tem pela frente. Outras atividades também lhe ocupam, como a prática da natação ou o trabalho como faxineira e babá de um jovem com condições especiais. Ela é competente, ativa, não se entrega. Quem a conhece, nela deposita confiança. Mas até que ponto os atos dos outros – de um, em especial, tão próximo que parece ser ela mesma – poderão impor sobre si uma mancha que não terá como ser removida? O filho, como iremos descobrir após dois terços do filme, não a perdoa. Estranhos batem à porta, pedindo explicações. Tudo o que pode fazer é ficar em silêncio. Quieta. Torcendo para não ser percebida. Sofrendo por não mais existir.
Ainda num dos momentos iniciais da trama, acompanha o marido até a prisão, lugar onde ele, sem relutância, se entrega. Na primeira visita vê nele um olho roxo. Numa próxima, ele declara: “não acho que eu vá conseguir sobreviver por muito tempo aqui. Você não deveria mais vir”. O homem com quem conviveu uma vida inteira até podia ter sua versão dos fatos, mas quando elementos concretos são descobertos no fundo do armário, restam apenas opiniões. Não há mais o que discutir. A verdade é uma só, e essa se apresenta com força. Negar é inútil, além de desgastante. Por isso, aos poucos vai abrindo mão do que ainda tem algum tipo de poder. De lutar pela família. Da carteirinha do clube. Do cachorro de estimação. Até quando conseguirá resistir, completamente sozinha e isolada de tudo e todos? Talvez nem ela mesmo saiba.
Mais do que um enredo tradicional, com início, meio e fim, Hannah é um estudo sobre um personagem absolutamente complexo. No entanto, ainda que o diretor Pallaoro demonstre possuir a paciência exigida para narrar sua história sem atropelos, isso de nada serviria se não fosse a atuação magistral de Charlotte Rampling como a protagonista. Presente de forma solitária em mais de 90% das cenas, ela também é um turbilhão de silêncios e quietudes. Este é um filme praticamente sem diálogos, no qual tudo nasce e morre nos olhos combalidos e na expressão enigmática que essa mulher carrega, que tanto pode ser de desespero como de resignação. “Do que você está rindo?”, pergunta o marido em um dos encontros. “Não estou sorrindo”, ela responde. E, ao encararmos seu rosto, é impossível afirmar se está, ou não, mentindo. Totalmente despida de qualquer tipo de pudor, ela – literalmente – se desnuda sob a atenção irrestrita e absoluta do espectador. E o melhor: sem entregar nada além daquilo que cada um poderá concluir por si só.
Ainda mais hermético e de difícil acesso do que o comovente 45 Anos (2015), drama que lhe valeu o Urso de Prata no Festival de Berlim e sua única (!) indicação ao Oscar (ao menos até agora), Hannah é um presente para qualquer atriz, ainda que a experiência de o assistir seja quase tão exigente e penosa quanto a tragédia vivida pela personagem-título. Ciente disso, Charlotte Rampling - premiada no Festival de Veneza por este desempenho - se apresenta de peito aberto, construindo em pequenos gestos e detalhes o sofrimento que lhe foi imposto alheio a sua vontade. É por ela, e com ela, que a audiência suportará enfrentar esse calvário. E se no final a obra se recusa a oferecer um desfecho simples – e simplório, acima de tudo – esta é uma postura esperada. O que importa não é nenhuma de suas partes, mas o conjunto descoberto. Mérito de uma intérprete capaz de submergir na figura que tem em mãos, pois só assim pode entregar o que lhe é mais caro, mas que já não lhe pertence: a própria alma.
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Grade crítica
Crítico | Nota |
---|---|
Robledo Milani | 9 |
Leonardo Ribeiro | 7 |
Yuri Correa | 8 |
Roberto Cunha | 6 |
Francisco Carbone | 9 |
Filipe Pereira | 7 |
Marcelo Müller | 8 |
MÉDIA | 7.7 |
Complexo,mas interessante!vi minha própria vida retratada ali,emocionante,e porque não dizer despertador!me fez acordar pra certas coisas que quase havia se perdido! ótimo.