Crítica
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Sinopse
O religioso Jake Van Dorn sai numa busca desesperada após a filha ter desaparecido numa excursão promovida pela igreja. Ao se deparar com uma polícia de mãos amarradas, ele contrata um detetive particular e acaba mergulhando num mundo por ele até ali completamente ignorado.
Crítica
Hardcore: No Submundo do Sexo (1979), de Paul Schrader, é um típico exemplar do cinema da chamada Nova Hollywood, que se notabilizou por levar para o mainstream dos grandes estúdios abordagens mais cruas para temas árduos, antes tratados sub-repticiamente ou simplesmente não tratados. O submundo das grandes metrópoles do país, muitas vezes objeto do noir, passou a ser povoado nos filmes dessa corrente por figuras e práticas mais abertamente marginais, absolutamente rejeitadas pela imagem cândida do american way of life. Vale lembrar, nesse sentido, Perdidos na Noite (1969), de John Schlesinger, e Taxi Driver (1976), de Martin Scorsese (aliás, escrito por Schrader): o primeiro é protagonizado por um michê e por um pequeno criminoso que mantêm uma relação ambígua entre si; o segundo, por um taxista psicopata, veterano do Vietnã, interagindo com prostitutas, cafetões e tudo mais que ele chama de “escória” nas ruas de Nova York.
Hardcore, segunda experiência de Schrader na direção, acompanha Jake VanDorn (vivido pelo sempre estupendo George C. Scott), pequeno empresário profundamente religioso de uma cidade interiorana que tem de ir a Los Angeles em busca de sua filha adolescente desaparecida. Como VanDorn descobre em determinado ponto da narrativa, a garota virou atriz de filmes pornográficos de baixíssima qualidade, o que o força a empreender jornada em direção a um submundo que representa, para ele, o inferno na Terra. Hardcore faz parte, portanto, de um tipo de filme realizado pelos cineastas da Nova Hollywood que busca contrastar, de maneira mais explícita, a América WASP – branca, protestante, conservadora, familiar – ao subterrâneo de perversões à norma. O impressionante Parceiros da Noite (1980), de William Friedkin, talvez seja o exemplo mais radical nesse sentido.
Já que o protagonista do filme de Schrader acredita que a filha foi sequestrada e forçada a se tornar atriz pornô, ele mergulha nesse universo como um salvador, primeiramente usando sua persona respeitável, de homem sério e “de bem”, mas obtendo resultados pífios. VanDorn, então, vai aos poucos saindo de si, se transformando em alguém capaz de exercer considerável violência para obter o que deseja, abandonando sua capa de civilizado – logo, moralmente superior àqueles que povoam as ruas de Los Angeles – e tomando contato com uma faceta mais instintiva, animalesca, de si próprio.
A obsessão de VanDorn por encontrar a garota faz de Hardcore quase um Busca Implacável (2008) avant la lettre, mas, claro, o interesse de Schrader aqui não é exatamente a ação pela ação, e sim o processo pelo qual passa o protagonista. Tirar um calvinista, portador de valores tão conservadores, de sua posição de conforto e jogá-lo numa América urbana suja, desregrada, também em transformação, era dessas pequenas provocações que os jovens da Nova Hollywood adoravam fazer. E se é verdade que o final pode soar um pouco frustrante nesse sentido, por parecer talvez feliz demais, ao mesmo tempo fica difícil imaginar que o Jake VanDorn daquela última cena conseguiu simplesmente voltar a ser o personagem apresentado no início. Como no citado Taxi Driver, Schrader mostra o encerramento exitoso da empreitada de seu protagonista, mas subentende as sombras que continuam (ou passam) a perturbá-lo.
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Grade crítica
Crítico | Nota |
---|---|
Wallace Andrioli | 8 |
Chico Fireman | 7 |
Lorenna Montenegro | 7 |
MÉDIA | 7.3 |
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