Sinopse
A história de Harriet Tubman, ativista política que, durante a Guerra Civil norte-americana, ajudou centenas de escravos a fugirem do sul dos Estados Unidos, isso depois dela mesma conseguir escapar da escravidão em 1849.
Crítica
A escravidão é uma das maiores vergonhas históricas da humanidade. Portanto, uma personagem que devotou sua vida a combate-la, a fim de implodir a mercantilização cujos efeitos são sentidos até os dias atuais, merece, obviamente, toda admiração. Harriet é a cinebiografia de Harriet Tubman, nascida como propriedade de um fazendeiro sulista, adiante transformada, por ações e forças, numa abolicionista de atuação decisiva nos momentos que antecederam a anulação do perverso direito branco à exploração dos negros. A cineasta Kasi Lemmons parte de uma leitura direta da situação da protagonista vivida com intensidade por Cynthia Erivo (indicada ao Oscar de Melhor Atriz pelo papel). Apresenta o cenário no qual ela cresceu, em meio a separações familiares e torturas (físicas e psicológicas) impostas por seus senhores. Logo é possível perceber que o tom edificante será uma espécie de pilar narrativo essencial, o que, por um lado, acentua o heroísmo dos atos da mulher que brigou exemplarmente pela liberdade, mas, por outro, acaba diminuindo os espaços das sutilezas.
Ao invés de afinar o recorte da biografia incrível de Harriet Tubman, Gregory Allen Howard e Kasi Lemmons, que assinam o roteiro, se concentram num longo percurso. Começamos a acompanhar Harriet quando ela é obrigada a tomar posição diante do próprio futuro sem o seu arbítrio. Ameaçada de ser separada dos seus, decide encarar os perigosos da floresta em busca do lugar onde a liberdade não seja utópica, mas uma realidade, ainda que constantemente ameaçada pela insatisfação dos escravagistas. Desde o princípio a personagem é entendida prioritariamente a partir de um dado místico, pois o herdeiro do latifundiário recém-morto, um típico menino branco crescido em meio aos negros que lhe serviam de amigos na infância, atribui o passamento do pai à misteriosa ligação da então chamada Misty com Deus. A aspirante à alforria tem visões constantes, algo que ela mesma classifica como forma do Todo-poderoso alertar-lhe dos perigos. Uma vez entendido como literal, esse dom premonitório é frequentemente utilizado no filme como muleta conveniente.
O messianismo de Harriet assume tintas saturadas quando ela, demonstrando brios, renuncia ao próprio conforto para se tornar condutora de cativos à emancipação. Chamada sintomaticamente de Moisés, em nova alusão religiosa, empreende sucessivas viagens para fazer o bem. Kasi Lemmons utiliza desajeitadamente as elipses, involuntariamente minando a carga dramática desses deslocamentos enormes e repletos de perigo. A jornada inicial de Mindy compreende 160 quilômetros, do sul escravagista ao norte abolicionista, e o que vemos é apenas alguns parcos minutos. Adiante, quando ela já se chama Harriet – renomear-se é primeiro gesto como indivíduo livre e autônomo –, o filme fica detido em constantes viagens parecidas, algumas delas entre distâncias ainda maiores. Entretanto, o simples empilhamento desses episódios, sem uma construção detida na devida passagem do tempo e nos contratempos físicos e emocionais, faz com que logo tais iniciativas extraordinárias sejam cinematograficamente banalizadas. Pena, pois isso reduz o impacto dos esforços.
Harriet conta uma história de vida que merece ampla reverberação para nunca deixar de ser exemplar. Cynthia Erivo tem realmente um desempenho digno de nota, oscilando com propriedade entre a fragilidade à qual Mindy foi submetida desde cedo e a fortaleza à frente rebatizada Harriet. Mas, falta ao filme valorizar essa biografia, não caindo em armadilhas fáceis, tais como sublinhar desnecessariamente a iminência da liberdade com um pôr-do-sol voluntarioso ou promover abruptamente a mudança de consciência de um mercenário tocado pela ligação da protagonista com Deus. Kasi Lemmons pesa a mão, principalmente nesse desenho da protagonista como uma executora dos desígnios de Deus. Harriet chega a dizer, ao ser questionada sobre a linha direta com o inefável, que simplesmente age, sequer questionando impulsos que lhe tomam de assalto como ordens divinas. Optando por ressaltar a ordem mística, a cineasta acaba deixando em segundo plano a atuação política da mulher que fez o necessário para libertar seu povo da infame sanha branca por dominação.
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Grade crítica
Crítico | Nota |
---|---|
Marcelo Müller | 5 |
Daniel Oliveira | 4 |
Chico Fireman | 5 |
Cecilia Barroso | 4 |
Robledo Milani | 4 |
Francisco Carbone | 1 |
MÉDIA | 3.8 |
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