Crítica

Heli (2013) é o filme pelo qual Amat Escalante ganhou o prêmio de Melhor Direção no Festival de Cannes do ano passado. Já na primeira sequência, a câmera desliza por entre corpos que repousam machucados numa traseira de camionete. Então, nosso olhar é conduzido à estrada e posteriormente ao enforcamento de alguém em plena luz do dia. A mensagem está dada: quem se colocar contra o poder local vigente inevitavelmente se dará mal. Após essa passagem que culmina em morte, encontramos Heli (Armando Espitia) tentando fazer sexo com sua esposa, quando é interrompido por uma funcionária do censo. Desse ponto em diante, a família de Heli, constituída pelo pai, a irmã e o filho recém-nascido, será o núcleo de onde partirão as observações do filme, sejam elas a respeito da natureza das pessoas ou mesmo sobre a violência que predomina em certas localidades mexicanas.

Sem estudo e oportunidades suficientes para subir na vida, a Heli só resta seguir os passos do pai, trabalhando numa montadora automobilística, mesmo porque o lugarejo não oferece muitas opções. Trabalhador braçal, policial ou traficante, são essas as trajetórias mais evidentes. Estela (Andrea Vergara), a irmã do protagonista, namora com um recruta mais velho. Noutra cena em que o sexo não se consuma, ela impede que a mão do pretendente passe acima da linha da coxa, o que o deixa frustrado. A menina tem medo, engravidar assim tão nova está fora de cogitação. Apaixonado, esse rapaz que sofre humilhações cotidianas nos treinamentos militares sai em busca de alternativas para, então, casar com sua amada. Decide roubar drogas sabe-se lá de quem para viabilizar a união. Mas, dinheiro fácil nunca é fácil.

A potência da imagem em Heli é preponderante. De início, a violência crua e inclemente nos situa no território de aridez (inclusive emocional) que abriga os personagens. Logo, porém, o registro visual pende ao idílico, pois a fotografia é cuidadosamente construída numa dimensão poética. O artifício não chega a “embelezar” os acontecimentos, pois à câmera parece importante registrar a miséria a seu modo, sem nunca torna-la espetacular. Estranhamente, num terceiro momento a imagem volta a captar a violência de frente, só que desta vez em seu aspecto ordinário, quase pornográfico. O discurso é esvaziado justo por apoiar-se demasiado em determinados atos de tortura, como se eles, assim vistos, fossem imprescindíveis para dotar de relevância o discurso anterior bem como o do porvir.

Daí em diante, a trama de Heli fica refém de inconstâncias. Personagens tentam refazer-se ainda sob o efeito da tragédia, mas essa fase de luto surge sem o peso suficiente. Tentando retomar a contemplação inicial, a narrativa se prende numa teia de fatos um tanto quanto irrelevantes, ao menos pela maneira como são apresentados. É como se o processo de anestesia do protagonista contaminasse o desenvolvimento que, assim, acontece sem maiores acréscimos. O sexo, ou melhor, a impossibilidade de sua ocorrência, está ali para, quem sabe, sinalizar a não união dos corpos como prenúncio de morte. Heli tem momentos que justificam plenamente a ovação crítica em Cannes, mas, no geral, é vítima do descompasso entre sugerir e esfregar determinadas “realidades” na cara do espectador.

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