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Crítica

A trama de Hermano: Uma Fábula Sobre Futebol (2010), filme venezuelano dirigido por Marcel Rasquin, é centrada na relação de dois irmãos e em como o futebol pode oportunizar a ambos o escape da pobreza e da criminalidade. Daniel (Fernando Moreno) é encontrado, ainda bebê, num lixão. Julio (Eliú Armas), então uma criança, confunde seu choro ao longe com o miado de um gato, chamando a atenção da mãe que não consegue sair dali sem leva-lo para casa, fazendo dele seu segundo filho. Dezesseis anos mais tarde, os garotos são os principais destaques do time do bairro, equipe que acaba de se classificar para as finais de um campeonato local. As habilidades deles se complementam em campo. Juntos, parecem não conhecer adversários.

Ao sair da área de jogo, a câmera de Rasquin descreve uma paisagem pobre, numa espécie de morro onde vivem os personagens. A comunidade é calorosa, repleta de gente que se conhece desde pequena, mas controlada pelo tráfico que, a despeito das benfeitorias que promove (como bancar as camisetas do time, por exemplo), não esconde que a calmaria depende da manutenção de suas vontades. Em Hermano: Uma Fábula Sobre Futebol o desporto contrapõe-se ao delito, numa dinâmica já bastante conhecida. Isso fica ainda mais evidente, essa dissociação entre esporte e crime, quando os irmãos começam a enveredar cada qual por um caminho. Daniel quer se profissional, fazer do gol a sua vida. Julio, por sua vez, parece já embrenhado demais naquele ambiente viciado de contravenção e armas em punho.

O conflito familiar tenta espelhar um cenário social mais complexo, mas acaba relevante apenas em si, boa parte por conta de alguns personagens serem construídos no limite da caricatura, como o técnico do time profissional que faz um teste com os irmãos e mesmo o chefe do morro. Portanto, é de certa ingenuidade que padece Hermano: Uma Fábula Sobre Futebol, de uma noção bastante primária da complexidade que envolve a miséria e as reais possibilidades de transpassá-la. As cenas de jogo são convencionais, mas quem disse que capturar a real emoção do futebol é fácil? Grandes diretores já falharam ao tentar transpor a energia do jogo ao cinema. Aqui, possivelmente pese ainda mais o foco, pois os dramas das partidas só reiteram, sem muito acrescentar, a necessidade de superação dos personagens fora das quatro linhas.

Mas, talvez, o que mais deponha contra Hermano: Uma Fábula Sobre Futebol seja o final. A reafirmação da tragédia “passa uma mensagem” -  no que esta expressão tem de mais ordinário e superficial. O último plano, por exemplo, parece tanto disposto a mostrar as relações de causa e efeito quanto a jogar sobre determinado personagem o peso excessivo da culpa. Se tínhamos o desenrolar de uma boa trama, vítima de certas saturações desnecessárias, é verdade, mas ainda assim boa de acompanhar, a partir dali, dos acontecimentos da última partida, sobressaem-se os ângulos rudimentares. Ser ou não um grande jogador depende de inúmeros fatores, assim como ser ou não bem sucedido na vida. Pena que Hermano: Uma Fábula Sobre Futebol simplifique esses percursos, apostando demais num viés fabular meio torto que, no máximo, serve para justificar boa parte de sua inocência.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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