Crítica
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Sinopse
Segurança da jornalista que está prestes a conseguir um entrevista exclusiva com um ditador sul-americano, um ex-agente das forças especiais precisa sobreviver depois de um golpe militar que o empurra para o cenário inóspito de uma floresta onde vira alvo de mercenários.
Crítica
O cinema pode ter diversas consequências. Embora não possuam qualquer compromisso com a educação, os filmes podem ensinar lições, entreter, levar à reflexão, atiçar coisas reprimidas, fazer comentários sociais pertinentes, tentar compreender a loucura do mundo etc. Filmes também colaboram para a construção de imaginários, inclusive os distorcidos camuflados sob os pretextos das aventuras descompromissadas. Senão vejamos. Será coincidência que nas produções lançadas enquanto vigorava a Guerra Fria praticamente todos os antagonistas da saga 007 James Bond fossem soviéticos ou seus aliados geopolíticos? Será inofensiva uma comédia que reproduz estereótipos de raça, classe e gênero, apenas por ter uma intenção primária de fazer graça e “nada mais”? No processo de analisar um produto cinematográfico, é fundamental perceber algo da ideologia norteadora para identificar as intenções do discurso. Herói por Encomenda parece mais um filme vitaminado por explosões e correrias, estrelado por um dos astros do momento (o carismático John Cena), não muito além de uma sessão leve e divertida. Mas, vamos por partes. A trama começa com Mason (Cena) falando como foi importante abraçar a vocação militar em detrimento de um futuro suburbano bem menos movimentado. Então, tudo começa com o elogio escancarado à carreira no exército, item responsável pela felicidade.
Não é novidade nenhuma Hollywood contribuir à fetichização do militarismo como um estilo de vida. Afinal de contas, com a quantidade de conflitos nos quais os Estados Unidos se metem anualmente, é fundamental sempre ter carne fresca motivada a pastorear o mundo e erradicar os lobos maus. Seguindo na análise da conjuntura política do filme, Mason faz parte de um batalhão encarregado de assassinar o ditador supostamente perigoso de uma república sul-americana. Essa interferência norte-americana num país soberano é vista de modo acrítico pelo cineasta Pierre Morel – pelo menos num primeiro momento. Aliás, em tudo essa nação fictícia faz referência ao estereótipo das republiquetas das bananas, representações comuns no cinema hollywoodiano que ajudaram a criar o estereótipo de que na América Latina as populações estão sempre em apuros, à mercê de tiranos que devem ser derrubados pelos heroicos soldados ianques – pretensamente adoradores da liberdade e guardiões da democracia mundial. Voltando ao protagonista, se Mason apenas pode ser feliz em combate, logo a vida à paisana o deixa triste, o que o motiva a aceitar a oferta de um ex-colega para proteger a jornalista Claire (Alison Brie). Ela conseguiu marcar uma entrevista exclusiva com o presidente Venegas (Juan Pablo Raba) – o mesmo que seria (não foi) assassinado pelos Estados Unidos. Até aqui uma visão ultrapassada.
John Cena e Alison Brie funcionam apenas superficialmente como parceiros que precisaram vencer as desconfianças mútuas iniciais para ter um relacionamento cordial. Lá pelas tantas, Pierre Morel insere repentinamente uma cena de sedução, sem qualquer indício anterior do desejo das partes. Porém, a ideia não é necessariamente adicionar tesão à correria. A finalidade dessa situação é mostrar Mason como um exemplar homem de família, alguém que se mantém fiel à esposa, mesmo que ela o tenha dispensado dias antes. Tudo muito ao agrado da parcela mais conservadora/tradicional da plateia. O realizador passa por cima de coisas importantes, como as limitações físicas de Mason. Se ele teve de largar a vida que o fazia feliz por causa das dores insuportáveis nas costas, como esse quadro se manifesta estritamente na primeira parte da missão e depois some? O enredo avança mostrando um golpe de estado em curso, com o sorridente presidente Venegas sendo vítima dos militares liderados por seu sobrinho que, na verdade, é um joguete nas mãos de grandes corporações interessadas nos recursos naturais do país. Mesmo que aos poucos torne esse painel político bem mais interessante do que se poderia imaginar, Pierre Morel evita ligar os pontos enfaticamente e considerar a ordem norte-americana de assassinar o presidente como exemplo da política imperialista de desestabilização das nações.
No quesito “aventura de um casal na floresta”, Herói por Encomenda poderia ter se espelhado em Cidade Perdida (2022), filme similar no qual Sandra Bullock e Channing Tatum fazem muito mais do que John Cena e Alison Brie com personagens parecidos. Se falham como dupla às turras, Mason e Claire não se saem tão melhor quando a ação domina – há alguns pontos bem ruins, como a perseguição a cavalo, cena artificial feita com fundo verde. Politicamente, a trama amadurece quando o excêntrico Venegas se revela benfeitor, alguém caçado internacionalmente por lutar pela soberania nacional e pelo desenvolvimento econômico do seu país. Então, a sua natureza espalhafatosa e caricatural, típica do líder terceiro-mundista de uma república das bananas, vai sendo descontruído naquele que é o melhor movimento do filme. Inteligente e verdadeiramente preocupado com seu povo, Venegas é quem fornece um brilho diferente a essa jornada contada e atuada de forma genérica. Ainda sobre o discurso político, Pierre Morel faz uma salada de frutas ao cruzar intenções, ideologias e tendências históricas, isentando os Estados Unidos das barbáries, metendo selvagemente na equação mercenários sul-africanos, fazendo a empresa norte-americana de segurança mudar de lado como se tivesse uma epifania sobre verdadeiros heróis, entre outras peças inseridas e ajustadas de modo meio esquizofrênico.
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