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Sinopse

A judoca Rafaela Silva foi a primeira atleta da delegação brasileira a ganhar uma medalha de ouro nas Olimpíadas do Rio em 2016, levando toda nação as lágrimas. Popople Misenga, o congolês convidado a participar da delegação composta de refugiados, fez o mesmo. Rogério Sampaio saiu de Barcelona com o ouro olímpico, nos anos 90, após superar um drama familiar. A partir de uma abordagem com foco no heroísmo, a carreira desses desportistas é transformada em filme.

Crítica

Heróis. O título deste documentário do cineasta Cavi Borges evidencia o que torna comuns as três histórias retratadas. Num país como o Brasil, em que o incentivo ao esporte é bastante desigual – com o dinheiro sendo direcionado desproporcionalmente à paixão nacional, ou seja, ao futebol, enquanto outras modalidades vivem de pires na mão –, os exemplos de Rafaela Silva, Popole Misenga e Rogério Sampaio deflagram a tenacidade de quem vence remando contra a maré. Embora em sua curta duração aborde temas que poderiam ganhar mais espaço, limitando-se à observação de consequentes realidades de superação, a produção consegue dar uma boa ideia de como os judocas precisam transpor barreiras cotidianamente para fazer as coisas acontecerem. A linguagem utilizada evita a prevalência das chamadas “cabeças falantes”, embora recorra a elas ocasionalmente, com propósitos funcionais. As partes têm pegadas diversas, com o enfraquecimento do conjunto, embora as frações sejam ótimas.

O testemunho da trajetória complicada de Rafaela, medalhista olímpica nos jogos do Rio de Janeiro, em 2016, parte dos tempos da descoberta do judô como alternativa à realidade difícil na Zona Oeste da Cidade Maravilhosa. Moradora de uma comunidade pobre, ela se tornou desportista por conta de um projeto social, iniciativa que poderia tranquilamente servir de modelo a políticas públicas, isso caso a esfera legislativa realmente estivesse sensibilizada com os problemas dos desvalidos. Heróis, contudo, se restringe a desvelar as linhas gerais da história de Rafaela, ganhando pontos pela concisão e a objetividade, mas deixando passar boas oportunidades, como a possibilidade de lançar um olhar mais crítico a esse abandono estatal que ela conseguiu sobrepujar, pois munida de garra e pessoas que lhe deram suporte. A questão social, assim, é tangenciada, mas não chega a ganhar devidamente os holofotes. A despeito disso, mesclando imagens de competições, excertos televisivos e fotografias sonorizadas, Cavi garante o recado.

Semelhante dificuldade para abrir o escopo se percebe no segmento de Popole Misenga, imigrante congolês que mora no igualmente carente subúrbio carioca. De cara, o vemos treinar nas ruas, improvisar utilizando postes e toda sorte de componentes urbanos. A mensagem está dita, antes mesmo de ser verbalizada pelo estrangeiro que comenta a emoção de ter competido na olimpíada e, além disso, ganhar uma luta representando a bandeira dos refugiados do mundo. A ordem política, intrínseca ao fato, tampouco é ampliada pelo realizador, que prefere capturar mais detidamente as angústias e felicidades pessoais desse jovem que constituiu família no Brasil, visto como uma das grandes promessas do judô para os próximos jogos, bem como ao mundial que lhe precederá. Gradativamente, Heróis se assume episódico, deixando de lado elementos que poderiam torna-lo sobremaneira uno, mas não deixando de lado o elogio a esses batalhadores que fizeram do tatame um local de resistência.

A parte derradeira, centrada no medalhista olímpico Rogério Sampaio, é a que se aprofunda no foro íntimo, sendo, também, a mais tradicional no que tange à linguagem empregada. Cavi Borges investiga diversos eventos que antecederam o êxito nos jogos de Barcelona, como os infortúnios pessoais, entre os quais uma tragédia familiar de proporções devastadoras. Heróis transborda admiração por Rafaela, Popole e Rogério, registrando com propriedade um universo caro ao realizador, ex-judoca profissional. Embora peque pela falta de algo que alinhave com mais substância as narrativas dos atletas-protagonistas, o filme consegue tocar em algumas feridas, umas públicas, outras de natureza privada, sem necessariamente afronta-las. Determinadas constatações são inflamadas pelas imagens, pelos relatos que se interligam ocasionalmente com bastante expressividade. O heroísmo desses homens e mulheres está condicionado à garra individual, fruto da necessidade de sobreviver ao descaso.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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