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Crítica


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Sinopse

Joachim acredita ser a reencarnação de um soldado sérvio que morreu no mesmo dia em que ele nasceu, especialmente depois de ser reconhecido por um estranho. Ele embarca com sua amiga Alice e uma pequena equipe de filmagem numa viagem à Bósnia a fim de rastrear detalhes de sua vida passada.

Crítica

Joachim morreu em 21 de agosto de 1983. Isso, ao menos, é o que um desconhecido lhe diz em 2018, quando os dois, por obra do destino, cruzam seus caminhos em uma rua qualquer de Paris. O mais curioso a respeito, no entanto, é que até aquele instante Joachim pensava nessa data como a do seu nascimento, e não de sua morte. Ele está prestes a completar 35 anos, é um homem maduro e, acredita, bem resolvido. No entanto, ao invés de ir para casa e esquecer essa conversa insólita, no máximo achando graça a respeito do ocorrido, começa a se atormentar com o que lhe foi dito. E se não for um disparate de um maluco, mas uma verdade da qual nunca desconfiou, e que agora se apresenta a ele de tal forma que será impossível ignorá-la? Ir atrás do que há – ou não – de concreto nesse episódio parece ser o cerne da trama de Heróis Nunca Morrem num primeiro momento, mas o melhor é o que está por trás disso.

A primeira coisa a fazer é ir ao encontro de sua melhor amiga e contar o que lhe aconteceu. Alice acha tudo muito engraçado e não lhe dá muito crédito – apesar do amigo estar, visivelmente, transtornado pela suposta revelação. Porém, quando Joachim acorda no dia seguinte com o nome de uma cidade na Bósnia escrito por ele próprio, enquanto sonâmbulo, no braço direito, as coisas passam a ficar mais intrigantes. Afinal, além de uma localização geográfica e de um nome quase aleatório – “Zoran”, é como o estranho lhe chamou – cresce dentro dele também uma necessidade quase imperiosa de investigar qual fundamento essas conjecturas podem sustentar. Seria Joachim a reencarnação de um soldado bósnio falecido exatamente no mesmo dia que ele nasceu? E se houver a mínima possibilidade de algo nisso tudo ser verdadeiro, por mais ínfima que seja, não valeria o esforço de uma busca mais detalhada?

Acompanhado por Alice, uma cineasta que vê nessa ocasião a oportunidade de realizar o filme que poderá destacar seu talento, e por uma equipe mínima, composta por Virginie, a técnica de som, e Paul, o cinegrafista, Joachim parte para Sarajevo em busca de um possível passado, do qual não possui nenhuma evidência física, além de uma crença pessoal e destas circunstâncias aqui descritas. Assim, o filme de Aude Léa Rapin (estreante no formato, assim como seus personagens) se transforma no de Alice. O espectador é convidado a assistir apenas o que a câmera de Paul (que nunca chega a ser visto) enquadra. Assim, a audiência do lado de cá da tela de torna cúmplice desse processo de descobertas, tanto as positivas (que serão poucas, mas não inexistentes), como também das frustrantes (as que surgirão em maior abundância, como se poderia prever com facilidade).

Esse ponto de vista assumido oferece um caráter um tanto pitoresco à produção, que transita entre o amador e o original. Mas acaba funcionando, principalmente pelo cenário que vai se modificando até chegarem a um país em transformação, destruído por uma guerra recente e que agora tenta se reorganizar. Em certo momento, um morador local pergunta ao protagonista, apontando para uma floresta: “o que você vê?”. A resposta parece óbvia: “árvores”, é o que o outro lhe diz. Mas está errada. Pois são plantas novas. O que é possível vislumbrar, portanto, é essa tentativa de recomeçar. Exatamente pelo que passa Joachim, um homem que, pelo que se descobre, está se agarrando com todas as suas forças a uma hipótese até mesmo absurda, justamente pelo medo do fim. Da própria finitude. Afinal, se ele for o resultado de um recomeço, porquê não poderia passar pelo mesmo processo novamente?

Apesar de Adèle Haenel, como Alice, ser o nome mais conhecido do elenco – e a atriz segue em alta, ainda mais depois de Retrato de uma Jovem em Chamas (2019), filmado logo em seguida – o protagonista é Jonathan Couzinié (Apostando Alto, 2018), em seu primeiro trabalho de maior destaque. Por mais que os dois formem uma dupla afinada – ela é a dúvida e a descrença, enquanto que ele é o desespero e o impossível – será na trajetória dele que todos os olhares estarão concentrados. E quando a suspensão da realidade se manifesta, abrindo espaço para o mágico e improvável, não serão poucos os que concordarão que, quando não há mais para onde correr, o melhor refúgio é em si mesmo. Singelo, mas também poderoso.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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