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Crítica


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Sinopse

Dr. K é um velho senhor que gosta muito de caminhar. Em uma de suas andanças, encontra pelo caminho vários objetos que o ajudarão a desvendar os grandes mistérios da técnica da animação.

Crítica

No princípio tudo era uma folha em branco com três furos, um redondo e dois retangulares. Nela, o protagonista de História Antes de Uma História, o Doutor K (voz de J. C. Guerra), concebe um mundo a partir do que lhe inquieta, se colocando abertamente como representante dos criativos. Rabiscos vão ganhando forma, significado e conteúdo ao passo que se conectam com impulsos e habilidades. Como uma espécie de divindade, da qual derivam criaturas, sejam as semelhantes ou as nem tanto, ele faz brotar o menino Mathias (voz de Lipe Volpato) das maçãs e a menina Laurinha (Marjorie Blait Dias) das jabuticabas. Esta animação do diretor Wilson Lazaretti possui traços simples e uma técnica mais afeita a ressaltar a natureza lúdica das mensagens voltadas prioritariamente às crianças. Partindo de um universo em construção, busca-se a beleza poética dos ofícios de desenhista e animador.

Mesmo evidentemente direcionado a espectadores menores, História Antes de Uma História se arrisca, não sem danos colaterais, ao utilizar uma linguagem muitas vezes rebuscada ou até cifrada. Nesse tocante, dizer que alguém atende as “vicissitudes da alma humana” pode ser bonito para os mais velhos, mas certamente não atinge plenamente o público-alvo. Se, por um lado, algumas escolhas são louváveis, dentre elas a contemplação de diferentes perfis humanos – a garota negra, o rei com uma deficiência motora –, por outro, determinados recursos depõem contra a fruição desta trama essencialmente metalinguística. A mais gritante (literalmente) delas é a questionável opção por uma cantoria lírica, a cargo da galinha Melodia (voz de Lora Brito), em substituição ocasional à predominante narração em off que confere um bem-vindo tom de fábula ao filme. O excesso do expediente quase o torna irritante.

Na medida em que o Doutor K se depara com os desdobramentos de seu trabalho, é delineado um resumo de como fazer desenhos partirem da inércia ao estado animado, incluindo referências a equipamentos e técnicas. Isso também pode embaralhar um pouco a percepção dos mais jovens, especialmente quando sobrepuja as ligações estabelecidas entre os personagens. História Antes de Uma História possui boas sacadas, como a utilização de personalidades históricas e/ou verdadeiros emblemas como comentaristas e ajudantes no percurso do protagonista. Vemos Isaac Newton, Leonardo Da Vinci e até o icônico Dom Quixote de la Mancha auxiliando-o nos momentos em que a dúvida ameaça turvar sua criatividade. A partir de dado ponto, Wilson Lazaretti diminui as figuras secundárias para concentrar-se apenas na principal. Isso enfraquece o filme, expondo a fragilidade do roteiro.

Ainda que sejam dignos de nota os visíveis esforços, História Antes de Uma História acaba vitimado por uma execução que não está à altura da abordagem. Diversos temas são trazidos à baila, de uma maneira pueril e sem entregar-se tanto às obviedades. É perceptível a vontade de extrair encanto do enredo aparentemente simples que se desdobra gradativamente noutra coisa pretensamente mais complexa e repleta de nuances. Porém, o resultado fica aquém das possibilidades, inclusive por conta da falta de consonância entre as aspirações dramáticas e a técnica propriamente dita. Assim, o longa-metragem fica num meio termo incômodo, já que visual e conceitualmente mais alinhado com as expectativas de crianças menores, embora arrisque desajeitadamente uma ligação estreita com adultos em instantes pontuais. Não chega a ser um fracasso, mas, no quesito qualidade, está longe da nossa tradição recente na área.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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