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Sinopse

Histórias Que é Melhor Não Contar retrata cinco histórias sobre a incapacidade de controlar as próprias emoções. Um casal que se separa para que outro se forme. Um solitário que redescobre o amor quando menos se espera. Três amigas e as fantasias que as unem. Um senhor tendo que lidar pela paixão que sente por uma ex-aluna muito mais jovem. Dois namorados cansados das traições que os unem - e os afastam. Com Chino Darín.

Crítica

É provável que o cineasta catalão Cesc Gay tenha tido seu momento de maior reconhecimento internacional com Truman (2015), comédia dramática sobre dois amigos e um cachorro – um está morrendo, e pede para o outro adotar seu animal de estimação – que foi a grande vencedora do Goya (o Oscar do cinema espanhol), além de ter acumulado mais de 30 troféus (e outras 33 indicações) em premiações e festivais ao redor do mundo. Os protagonistas, ambos citados acima nessa rápida sinopse, eram interpretados por Ricardo Darín e Javier Cámara. O primeiro, em uma das suas raras incursões europeias (ou mesmo fora da Argentina), passou o bastão para o filho, Chino Darín, que é o rosto que abre os acontecimentos em Histórias que é melhor não contar. Já o segundo, bom, esse é o ator-fetiche do realizador, e se esteve presente em quase todos os projetos que este assinou até o momento, dessa vez o faz de modo bastante fugaz, em uma participação especial. Talvez tenha percebido que, ao contrário de tempos de outrora nos quais os dois parceiros alcançaram melhores resultados, o conjunto de agora estava mesmo fadado à irrelevância.

Afinal, Histórias que é melhor não contar é um filme-coral, uma coletânea de cinco contos independentes, mas ligados por um tema em comum. E como é de praxe em situações como essa, o conjunto é, inevitavelmente, irregular. Uma ou outra se destaca, enquanto as demais afundam em suas parcas possibilidades. Não é a primeira vez que Gay incorre nesse mesmo tipo de exercício, alcançando um balanço similar ao do anterior O que os homens falam (2012) – que, curiosamente, também apresentava o Darín pai e o almodovariano Cámara no elenco. São tramas rápidas, invariavelmente a respeito de relacionamentos amorosos. Um casal que se desfaz e outro que se forma, um homem que redescobre o amor de uma maneira inesperada, três amigas envoltas por um mesmo rapaz que pode (ou não) ter sido amante delas, um senhor enamorado por uma ex-aluna muito mais jovem e dois namorados que precisam decidir se eventuais traições – de um e de outro – são marcantes o suficiente para persistirem no relacionamento atual. Como se vê, variações de um mesmo tema.

Talvez a mais pertinente destas aventuras seja justamente a central, a terceira, que divide os acontecimentos entre antes e depois. Em Às Terças e Às Quintas, Blanca (Maribel Verdú, sem maiores oportunidades para exibir o brilho que lhe é característico), Carol (Alexandra Jiménez, de O Inocente, 2021) e Ángela (Nora Navas, de Dor e Glória, 2019) são atrizes em busca de uma oportunidade. As três se encontram por acaso na sala de espera de uma produtora, chamadas para uma mesma audição. Conhecidas de longa data, aproveitam o tempo de aguardo para colocarem o assunto em dia. E quando um rapaz passa por elas, atraindo as atenções do trio, as mentiras começam. Uma afirma ter tido um caso com ele, mas que desistiu após algum tempo, “afinal ele era casado”. Outra, assim que essa se afasta, revela saber que o que acabaram de ouvir é pura invenção – afinal, ela é quem teve um romance passageiro com o garanhão de ocasião. Já a última guarda o que ouve de ambas para si, pois no final se descobre que tem problemas maiores com os quais lidar – ela não está ali para um teste de elenco, mas para ser dublê de corpo da protagonista nas cenas de sexo.

Ou seja, seria a oportunidade para se discutir a cumplicidade feminina, a dificuldade para mulheres se manterem na ativa no ramo artístico e o quão forte pode ser o elo e o apoio entre elas. Gay, no entanto, opta pelo mais fácil, recaindo no velho chavão das intrigas óbvias e da inveja que tanto estimula a criatividade, como deprime sua autora no momento em que acaba a falsa ostentação. Esse mesmo ítem é retomado, ainda que de modo mais ligeiro, em Paris, o capítulo final, quando Edu (Quim Gutiérrez, por demais soturno para um tipo que merecia maior leveza) revela ao melhor amigo, Jota (Brays Efe, de Paquita Salas, 2016-2019) que, ao mexer no diário da namorada, descobriu que essa sabia de uma traição antiga dele, e nada fez a respeito. O colega, após o desabafo, ao invés de oferecer um conselho, se sente ofendido, pois o outro não teria lhe revelado o envolvimento passageiro antes. “Que tipo de amigo eu sou, se você não me contou isso antes?”, protesta. Ou seja, o foco está em si, e raras são as vezes em que aquele ao lado recebe a compaixão, ou mesmo empatia, que um projeto supostamente diverso e múltiplo como esse deveria manifestar.

Importante prestar atenção ao título, afinal, não são os episódios que “são melhor não contar” (poderiam ser causos terríveis, assustadores, ou por demais apimentados, eróticos ou mesmo polêmicos... mas não), mas eventos nos quais sempre “é melhor não contar”, ou seja, manter o segredo, a mentira e a dissimulação como estratégia de sobrevivência e até mesmo sanidade mental. Um exército de infelizes que estampam sorrisos em público, mas se deprimem quando abandonados com seus próprios fantasmas. E se os agora apaixonados Darín filho e Laura (Anna Castillo, de Destinos à Deriva, 2023) soam tão inconstantes quanto esse novo namoro que não deve durar nem até a próxima estação, a jogada arriscada assumida por Andrés (Jose Coronado, de Um Contratempo, 2016) ao se livrar da humilhação de ser descartado pela ninfeta pela qual se vê enamorado se sustenta até quase o último instante, quando a verdade insiste em se manifestar. Melhor sorte teve Luis (Alex Brendemühl, de O Silêncio da Cidade Branca, 2019) que em Sandra enfrenta de modo sutil a homofobia do melhor amigo. A Barcelona vista em Histórias que é melhor não contar é linda, cosmopolita, formada por artistas, produtores, escritores e jornalistas que frequentam exposições, cafés charmosos e restaurantes chiques. Tudo com muito estilo, mas sem resistir a um olhar mais próximo. Assim como esse filme, bonitinho (na melhor das hipóteses), mas bastante ordinário.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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