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Sinopse

A dinamarquesa Sascha viaja até a costa da Turquia para encontrar Michael, um homem mais velho com quem está saindo há pouco tempo. No entanto, esse rico traficante lida de maneira violenta com as mulheres. Em busca de escapatória, Sascha se aproxima do gentil Tomas, um turista holandês passando pela região. Mas Michael não enxerga esta amizade com bons olhos.

Crítica

O imaginário a respeito de grandes traficantes de droga está repleto de fetiches: grandes festas em casarões, mulheres seminuas, bebidas de todos os tipos, música no último volume, e principalmente o misto entre a crença na impunidade e o perigo constante de ser preso. Os filmes de ação costumam ser criticados por romantizarem algo que supostamente criticam, no caso, a criminalidade. Ora, se você se posiciona contra as atitudes dos personagens, por que apresentá-las de modo tão divertido? Em que medida a delinquência se torna um espetáculo para as massas, colaborando com ideias preconceituosas a respeito dos criminosos (geralmente em termos raciais, sociais e de gênero) e reforçando abismos de representação social? Nestes filmes, a tendência ao maniqueísmo faz com que líderes do tráfico se tornem ainda mais malvados, enquanto suas vítimas diretas, ou aqueles que os combatem (policiais, por exemplo) se convertam em mártires de uma causa arriscada. Por esta razão, é interessante se deparar com Holiday (2018), produção na qual todos os elementos esperados do mundo das drogas estão presentes, menos a empolgação.

O chefão neste caso se chama Michael (Lai Yde), líder dinamarquês de um cartel. Sabemos da tendência violenta deste homem, embora seu potencial destrutivo seja diversas vezes sugerido, ao invés de mostrado. Há poucas drogas à vista, percebidas à distância, escondidas por elementos de cenário, ou mencionadas em diálogos lacônicos. As férias do título, numa bela praia turca, se organizam entre um pequeno grupo familiar, incluindo crianças. Há música, comida e bebida à vontade, no entanto, reina um clima de tédio entre os personagens pouco comunicativos. Conforme as pessoas boiam na piscina ou tomam sol numa sacada, desenha-se um horizonte desprovido de conflitos: Michael não planeja alguma ação arriscada, tampouco enfrenta a investigação de policiais, agentes secretos, traidores dentro do grupo ou qualquer reviravolta típica do gênero criminal. A cineasta Isabella Eklöf retrata as atividades do magnata pelo prisma do cotidiano luxuoso, porém inerte. Além disso, o ponto de vista não pertence a este homem, e sim a Sascha (Victoria Carmen Sonne), jovem dinamarquesa situada entre as posições de namorada e prostituta de luxo. Já que a heroína desconhece este universo a fundo – e nunca demonstra interesse em conhecê-lo -, o espectador também se posiciona à distância dos negócios do traficante.

Sascha constitui uma protagonista fascinante. O roteiro oculta detalhes da origem desta garota, evitando precisar o conhecimento prévio que ela teria sobre a viagem à Turquia. Há quanto tempo ela conhecia Michael? Desempenhava o papel de escort com outros homens? A diretora atribui uma perturbadora inconsequência à personagem, estendida às ações que lhe ocorrem. Apesar da estadia letárgica do pequeno grupo na mansão, a história nos prepara para o iminente estouro de violência. Neste sentido, há poucos conflitos, porém muita tensão: sabemos que Sascha corre riscos, seja de morte, estupro ou outras formas de violência. Face ao comportamento agressivo do namorado-patrão (“Ela trabalha para mim”, ele define), a acompanhante reage estoicamente, com uma leve surpresa seguida do torpor e do retorno à normalidade. Assim, converte-se numa figura ambígua, entre a resiliência e a ingenuidade, ou ainda entre os gestos de mártir e lutadora. Após cada cena de estupro, ela recebe algum presente caríssimo em seguida, e sorri. A possibilidade de fugir da mansão soa inconcebível para esta mulher que, em contrapartida, cogita sair com outros homens. Eklöf desenha uma figura multifacetada, no sentido de navegar na linha tênue entre a imoralidade e a amoralidade, ou ainda entre a força e a fragilidade. Será compreensível que grupos feministas tanto apoiem quanto repudiem esta protagonista.

Assim, impera uma atmosfera sexualmente carregada, propensa a explosões de sangue e de gozo – e ambas virão em instantes fortíssimos, ainda mais chocantes por interromperem a calmaria. Caso houvesse violência a cada cinco minutos, o espectador seria anestesiado, ou seduzido pela onipotência deste machismo endinheirado. Entretanto, as cenas impactantes são pouco numerosas, e por isso, surpreendentes – a diretora jamais antecipa os passos da acompanhante. Holiday resulta numa experiência deslumbrante pelo controle da mise en scène, ou seja, a disposição de elementos (personagens, objetos, acessórios) no espaço, e pela dinâmica estabelecida neste cenário. O filme se compõe a partir de longas cenas em quadro estático e janela scope, observando os corpos à distância. No enquadramento fixo, uma pluralidade de ações ocorre durante um único plano: figuras importantes entram e saem do alcance da câmera, atividades distintas se desenvolvem na frente e no fundo do quadro, e um leve movimento panorâmico revela elementos ocultos de nosso ângulo de visão. A imagem possui uma maneira fascinante de se ressignificar ao longo da sequência ininterrupta. O recurso jamais soa gratuito: nota-se elegância e moderação no uso de linguagem cinematográfica.

Em paralelo, a montagem trabalha com saltos temporais instigantes: cenas se interrompem em plena ação, para reencontrarmos Sascha no dia seguinte, carregando as consequências do dilema anterior. Eklöf produz humor, suspense e horror através dos enquadramentos, da duração dos planos e da sugestão do que pode vir a acontecer. Uma sequência de estupro, em particular, provoca impacto pela maneira singular de filmar: o ato ocorre à distância da câmera, porém centralizado na imagem, e bem iluminado, para que tudo esteja visível. O ato se revela mecânico e desumanizado, sem gritos nem sangue, fugindo em paralelo à sugestão de comodismo da heroína – ela claramente resiste ao homem. A violência adquire o aspecto de uma atividade banal e, por isso, mesmo, ainda mais incômoda. O roteiro toma as precauções necessárias para evitar a leitura de conformismo com os abusos (vide a potente atitude da jovem no final), desprezando simultaneamente o prazer vingativo dos rape and revenge films. Enquanto tantas tramas de agressão contra a mulher se transformam em fábulas acerca da capacidade de superação ou, ao contrário, a impossibilidade de superá-la, a cineasta deixa o discurso em aberto. Isso não significa que o drama sem encerra sem um desfecho, pelo contrário: o texto opta por uma conclusão propensa a inúmeras leituras. A cineasta convida o espectador ao debate, ao invés de lhe dizer o que pensar.

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Crítico de cinema desde 2004, membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema). Mestre em teoria de cinema pela Universidade Sorbonne Nouvelle - Paris III. Passagem por veículos como AdoroCinema, Le Monde Diplomatique Brasil e Rua - Revista Universitária do Audiovisual. Professor de cursos sobre o audiovisual e autor de artigos sobre o cinema. Editor do Papo de Cinema.
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