Homem-Aranha: Através do Aranhaverso
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Joaquim Dos Santos, Kemp Powers, Justin K. Thompson
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Spider-Man: Across the Spider-Verse
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2023
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EUA
Crítica
Leitores
Sinopse
Crítica
Muito antes de Homem-Aranha: Sem Volta para Casa (2021), o herói aracnídeo da Marvel já havia se aventurado pelo multiverso em Homem-Aranha no Aranhaverso (2018) – e de forma mais criativa. Nascido de uma necessidade empresarial – caso a Sony não seguisse produzindo longas com o personagem, acabaria perdendo os direitos, que retornariam à Casa das Ideias – essa incursão animada se mostrou uma das mais bem sucedidas na tela grande (não apenas faturou mais de quatro vezes o valor do seu orçamento, como ainda levou um Oscar para casa). Uma continuação, portanto, era dada como certa. Homem-Aranha: Através do Aranhaverso, no entanto, não só chega cinco anos depois, como também se encarrega de não apenas atender às expectativas geradas, como também em aumentá-las: a sequência não vem sozinha, e um terceiro episódio, Homem-Aranha: Além do Aranhaverso, está confirmado para 2024. Ou seja, assim como o contemporâneo Velozes e Furiosos 10 (2023), este segundo capítulo da animação também não tem fim, porém sem o aviso prévio de que esta é a “parte um” de uma única história. Ainda assim, deixando esse desrespeito com a audiência de lado, tem-se, sim, uma aventura empolgante, que prende a atenção e se encarrega de desenvolver aspectos poucos investigados dessa figura tão popular. Esforços que, num cenário cada vez mais árido, não podem passar desapercebidos.
Há algo importante que é exposto logo no começo do filme anterior e que, apesar ter ficado escancarado, poucos encararam tal dado com a devida atenção: apesar de ser dito que cada universo possui o seu próprio Homem-Aranha, Miles Morales – o garoto negro, ainda adolescente, que é picado por uma aranha radioativa durante um passeio pelos subterrâneos do metrô de Nova York – adquiriu seus superpoderes em uma realidade que já contava com um Homem-Aranha! Os dois só não convivem um com o outro por muito tempo porque o legítimo morre logo em seguida, deixando o fardo – e a responsabilidade – sobre as costas do recém-transformado. Através do Aranhaverso, portanto, trata de explorar um conceito já visto, porém não percebido – e eis a diferença. A partir da ideia de que haveria uma “patrulha de Aranhas” composta por tipos capazes de pular de um universo a outro para lidar com variantes e figuras dissonantes, as coisas começam a ficar estranhas quando descobre-se que há apenas um deles que não é exatamente “bem-vindo” nesse QG, por assim dizer: justamente ele, Miles Morales. Esta é a verdade: não ser um Aranha por direito – papel esse que cabia a Peter Parker – e, sim, uma anomalia. Que, como tal, deve ser eliminada.
Eis, enfim, o sentimento a ser trabalhado a partir dos eventos presenciados no enredo conduzido por Kemp Powers e pelos estreantes na função Joaquim dos Santos (premiado com um Annie – o Oscar da animação – pelo storyboarding de Avatar: A Lenda de Korra, 2015) e Justin K. Thompson (vencedor do Emmy pelo design de Star Wars: Clone Wars, 2005): a sensação de pertencimento. Na estreia de Miles Morales havia ficado claro o quão desconfortável estava com a chegada em uma nova escola. Ele segue como um “peixe fora d’água” nesse ambiente, e não apenas isso: até suas roupas não mais lhe servem (cresceu, não cinco anos, que é a distância entre os dois filmes, mas o suficiente para ser adolescente em full mode, que ao invés de estar combatendo o crime deveria estar preocupado com o que cursar na faculdade). Porém, agora esse incômodo se estendeu ao ambiente familiar: por estar ocupado em manter segredo quanto a sua identidade secreta, nem mais com os pais consegue se abrir por completo. Há a carência pela ausência do tio, falecido tragicamente, mas também pela amizade – e talvez algo a mais – que havia começado a se desenhar com Gwen Stacy, a menina-aranha de uma realidade paralela. Isso, ao menos, poderá mudar. Ela será uma das convocadas pela iniciativa de viajantes pelo Aranhaverso. E mesmo que tenha sido alertada contra, não conseguirá evitar. E uma visita ao velho amigo acabará acontecendo, interferindo na rotina – e até nas perspectivas – de ambos.
Se o traço dos animadores se mostra ainda mais radical – por uns instantes, até que uma adaptação visual aconteça, o espectador poderá temer por uma eventual dor de cabeça, tamanha será a quantidade de informações visuais dispostas na tela – esse crescente se dá também em relação ao escopo dramático. Em Homem-Aranha no Aranhaverso, Morales ganhava a companhia de alguns colegas – o Noir, uma menina japonesa, a citada Gwen, uma versão desleixada de Parker e até um Porco-Aranha – que, no final das contas, eram pouco mais do que meros coadjuvantes (e curiosidades simpáticas, na melhor das hipóteses). Dessa vez, no entanto, esse mesmo contexto não se repete. Todos os Aranhas possíveis irão se fazer presente – todos mesmo, incluindo citações às versões em carne-e-osso de Tobey Maguire, Andrew Garfield e Tom Holland – com destaque para uma leitura indiana muito descolada e um punk fiel a um espírito revolucionário, cada um com seus interesses e vontades. Haverá, é claro, um no comando: e o embate entre ele e Morales guardará os momentos de maior tensão. A dinâmica vai sendo alterada constantemente, e esta falta de acomodamento é um acerto, pois não permite que a audiência se descuide das inúmeras possibilidades a todo instante próximas de interferir nos acontecimentos. Ainda que se trate de uma continuação, sua raiz é ainda mais inquieta, obrigando àqueles que a essa viagem se dedicarem a um confronto de ideias e reflexões que vão além das conclusões mais óbvias. Aquilo dado como certo em um estalar de dedos poderá mudar de lado, e esta imprevisibilidade é o maior dos méritos.
Ainda assim, quando tanta ambição se vê lado a lado com um viés mais comercial – afinal, fala-se de um dos maiores super-heróis de todos os tempos, e o resultado nas bilheterias possui peso considerável, longe de uma proposta mais experimental – alguns conflitos poderão ser esperados. Será nesse ponto que os produtores e roteiristas Phil Lord e Christopher Miller (mesma dupla do primeiro filme e de sucessos como Uma Aventura Lego, 2014) deixarão transparecer uma falta de maior experiência, terminando por ceder à tentação de não apenas entregar um filme excessivamente longo – são mais de 130 minutos – mas que, ainda por cima, não é hábil de dar conta de todas as portas que abre, deixando muitas – e, principalmente, as mais importantes – abertas para um desfecho que só poderá ser conferido após mais de um ano. Quando se percebe que no cerne da questão está apenas um jovem em busca de sua identidade, seja ela à altura da responsabilidade recebida – aquele papo do “com grandes poderes...” – mas também em relação ao que todos aqueles ao seu redor, sejam os de sua convivência diária ou não (em contextos alternativos, por assim dizer) esperam, as distrações inevitavelmente se esmaecem. Assim, Homem-Aranha: Através do Aranhaverso se revela ousado o suficiente para ir além do que dele se esperaria, o que é positivo, enquanto recai em algumas das armadilhas por ele mesmo criadas - como não conseguir dosar os excessos e a inserção de um vilão pouco carismático - o tipo de tropeço que não pode ser ignorado.
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