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Sinopse

Miles Morales é um jovem de ascendência latina que herda o manto do Homem-Aranha. Seu desafio será fazer jus ao legado de Peter Parker, o cabeça de teia original, que está em fim de carreira.

Crítica

O herói aracnídeo tem enfrentado períodos atribulados na tela grande nos últimos anos. Após ser um dos pontas-de-lança da onda de adaptação cinematográficas baseadas em histórias em quadrinhos com Homem-Aranha (2002) – que arrecadou mais de US$ 821 milhões no mundo todo e foi o filme mais bem-sucedido daquele ano nos EUA – o cabeça-de-teia tem passado por altos e baixos. Homem-Aranha 2 (2004) foi um acerto e tanto, mas Homem-Aranha 3 (2007) foi tão mal recebido (pela crítica e indústria, ao menos) que colocou um ponto final na trilogia dirigida por Sam Raimi. As duas aventuras seguintes, ambas estreladas por Andrew Garfield, ficaram bem aquém das expectativas, e parece que agora Tom Holland está conseguindo endireitar as coisas, já dentro do Universo Estendido Marvel. Mas como os direitos do personagem continuam sendo majoritariamente da Sony, essa não iria tardar em fazer uso do que lhe compete e, se possível, abrindo outras frentes de criatividade – e faturamento, é claro. Pois é justamente nisso que consiste Homem-Aranha no Aranhaverso: uma jogada de marketing que, ao mesmo tempo, consegue oferecer novos campos dramatúrgicos a serem explorados pelo Amigão da Vizinhança, seja ele quem for.

Afinal, é exatamente disso que trata o Aranhaverso: múltiplas realidades para um personagem já bastante conhecido. Se o conceito parece confuso, o argumento é por demais simples. Senão, vejamos. O Rei do Crime, para tentar reparar um dos seus muitos erros do passado – aquele que levou à morte da esposa e filho – tenta abrir um portal dimensional que o permita resgatar os dois de uma vida alternativa, que se desenvolva em paralelo a nossa, na qual eles sigam vivos. No entanto, quem acaba enfrentando o efeito diretamente – por estar no local em uma tentativa desesperada de impedir que o vilão cometa tal loucura – é o próprio Homem-Aranha, que ao ser afetado acaba, ainda que involuntariamente, permitindo que seus “irmãos” co-existam em um mesmo plano. Será dessa forma, portanto, que teremos um ao lado do outro não apenas um Peter Parker fracassado, mas também uma Garota-Aranha (ninguém menos do que Gwen Stacy), um Homem-Aranha Noir (em preto-e-branco e no melhor estilo detetivesco de Humphrey Bogart), uma menina e seu robô gigante aos moldes mangá e, acredite se quiser, até mesmo um Porco-Aranha (quem assistiu a Os Simpsons: O Filme, 2007, sabe bem do que estamos falando).

A questão, no entanto, é mais profunda. Este embate com o Rei do Crime teve um desfecho trágico. Peter Parker está morto. Portanto, longa vida ao Homem-Aranha. A ideia é mais ou menos como aquela desenvolvida após à Morte de Superman, arco de histórias em quadrinhos publicadas em 1992 (parcialmente adaptadas em Batman vs Superman: A Origem da Justiça, 2016) nas quais, após o filho de Krypton ser derrotado pelo monstruoso Apocalipse, abria espaço para que diversos voluntários tentassem ocupar o seu lugar, cada um ao seu jeito. E se lá tínhamos clones, pessoas comuns e até um que outro mal-intencionado, é exatamente o que se vê por aqui (quer dizer, não tal e qual, mas bastante próximo). Cada um dos novos Homens-Aranhas responde, pelo que se percebe, a uma das qualidades principais do verdadeiro herói. Há o determinado, o piadista, o ingênuo, o valente etc. E com diversas narrativas a serem desenvolvidas, os caminhos parecem que já estão trilhados: se na sua versão live action o personagem está cada vez mais inserido nas aventuras Marvel, ao lado de figuras como o Homem de Ferro e o Capitão América, em sua versão animada o controle será exclusivo da Sony. E, assim, todos parecem felizes. Ou não?

Pois, quem disse que um raio não cai duas vezes no mesmo lugar? É assim, da mesma forma como se sucedeu com o jovem Peter Parker, que o adolescente Miles Morales termina picado por uma aranha radioativa, ganhando os superpoderes iguais aos compartilhados pelo outro. Parker e Morales dividem a mesma realidade, e com um morto, caberá ao outro assumir as suas obrigações. Aliás, este é, no fundo, o grande tema a ser desenvolvido em Homem-Aranha no Aranhaverso – o velho ditado tão batido quanto essencial a qualquer uma das suas histórias: “com grandes poderes vêm também grandes responsabilidades”. Miles é um jovem estudioso, que mesmo de origem humilde, conquistou uma oportunidade única de melhorar de vida graças aos próprios esforços. Justamente por isso, não pode esmorecer. Isso explica a vigilância constante do pai, mas cria um revés curioso na presença do tio, seu melhor amigo – e também fonte de maior decepção. A forma como o filme lida com outras figuras icônicas e referenciais para o herói, como a relação que vai estabelecer com Gwen Stacy ou a nova versão de um dos seus maiores inimigos – Doutor Octopus, estamos falando de você – oferece um gás interessante à trama.

E se Homem-Aranha no Aranhaverso cumpre razoavelmente bem a sua função de oferecer um novo vigor a um dos mais emblemáticos super-heróis da Marvel, muito se deve – veja só! – a ninguém menos do que Phil Lord. Para quem não está ligando o nome à pessoa, ele foi diretor e roteirista de títulos do gênero como Tá Chovendo Hambúrguer (2009) – que ganhou uma continuação em 2013 – e Uma Aventura Lego (2014) – que chegou a ser indicado ao Oscar. Após ser demitido no meio das filmagens de Han Solo: Uma História Star Wars (2018) – que se revelou, posteriormente, um dos piores capítulos de toda a saga – ele decidiu se concentrar exclusivamente essa aventura aracnídea, e os esforços foram recompensados. Assinando o roteiro e a produção, ele, ao lado dos diretores Peter Ramsey (A Origem dos Guardiões, 2012) e o novato Bob Persichetti (que trabalhou como animador em Shrek 2, 2004, e em O Pequeno Príncipe, 2015, entre outros) conseguiu cumprir o prometido. Ainda não é o filme definitivo do personagem – Homem-Aranha 2 segue imbatível – mas é dinâmico o suficiente para manter qualquer um atento na plateia, além de abrir diversas portas que deverão ser melhor observadas num futuro próximo. E dentro da lógica atual de Hollywood, melhor do que isso, não há.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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