Crítica
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Sinopse
Pela primeira vez, o Homem-Aranha é desmascarado, o que não o deixa separar a vida pessoal da atuação como um dos maiores super-heróis do mundo. Peter Parker pede ajuda ao Doutor Estranho, mas os efeitos de mexer com as lógicas do multiverso podem ser catastróficos. As coisas complicam e muito com a chegada de vilões do multiverso.
Crítica
O mundo de Peter Parker (Tom Holland) vira um verdadeiro caos depois da revelação de que ele é o adolescente por trás da máscara do Homem-Aranha. E boa parte do primeiro terço de Homem-Aranha: Sem Volta Para Casa é a construção desse pandemônio que faz do praticamente menino a pessoa mais famosa do planeta. Some isso à fake news de que Peter foi responsável pela morte de um super-herói (que era um vilão) em Homem-Aranha: Longe de Casa (2019) e temos duas questões a ser resolvidas imediatamente: 1) o protagonista não passa mais incógnito no uniforme aracnídeo; 2) uma parcela da população acredita que ele é um assassino frio e calculista. No entanto, depois de Peter recorrer ao Doutor Estranho (Benedict Cumberbatch) para apagar da cabeça das pessoas quem ele é, o roteiro deixa para lá essas duas questões que pareciam ser de suma importância. Simples assim. Com a abertura dos portões do multiverso e a chegada dos vilões de outras realidades, a identidade revelada e a mentira desaparecem da trama, assim podendo ser compreendidas mais como gatilhos do que necessariamente como algo que precisaria ser resolvido para a felicidade no encerramento. Mesmo assim, é bem-sucedida a transformação de uma lógica de mercado (no caso o reboot) em algo orgânico dentro da próxima tendência dos filmes de super-heróis: múltiplas realidades.
Durante meses a Marvel e a Sony utilizaram as suas potentes máquinas de propaganda para transformar Homem-Aranha: Sem Volta Para Casa no filme-evento de 2021. Ele foi preparado midiaticamente por boatos e teorias habilmente instigadas/amplificadas em ativações, trailers, supostos vazamentos depois desmentidos, com membros do elenco se fazendo de desentendidos quando questionados se estariam ou não nessa montanha russa de vilões, universos paralelos e mocinhos. E deu certo, haja vista a expectativa fervilhante nas redes sociais. Tudo foi tão mastigado e sugerido na campanha que a trama possui poucas surpresas daquelas de deixar ouriçados os fãs no cinema. Provavelmente, boa parte do que você imagina (e foi levado a crer) está mesmo na terceira aventura de Tom Holland como o Amigão da Vizinhança. Mas, a surpresa não é a questão. A falta delas não depõe contra o resultado, sobretudo porque o cineasta Joh Watts sabe trabalhar a expectativa em outros níveis e camadas, assim não ficando refém de fulano ou beltrano “inesperadamente” surgindo para salvar o dia – na verdade apenas um personagem do universo Marvel aparece de modo totalmente inusitado. No mais, estamos diante de uma jornada que faz jus a essa figura fascinante em cujos ombros imaturos é colocado o peso da proteção e do bem-estar de Nova Iorque. A ação funciona bem, mas são os instantes dramáticos que transformam o filme num êxito, mesmo que tenha de respeitar certos protocolos comerciais.
Homem-Aranha: Sem Volta Para Casa é um filme de amor. Amor de Peter por MJ (Zendaya), dele pelo melhor amigo Ned (Jacob Batalon) e pela tia May (Marisa Tomei). Mas é também sobre a defesa, custe o que custar, do conceito da segunda chance. Num mundo em que tantos desacreditam que um criminoso possa se arrepender e regenerar a sua relação com a sociedade, é um alento uma superprodução abraçar tão vigorosamente a ideia de que não importa o sacrifício que tenha de ser feito para isto, mas as pessoas merecem uma segunda chance. Essa posição moralmente forte é zombada pelos inimigos como o ponto fraco de Peter, mas ela é justamente a sua força, algo que o credencia a merecer os poderes recebidos aleatoriamente de uma aranha radioativa. E que bom que em meio à pirotecnia desenfreada o cineasta Jon Watts dê atenção às questões humanas, se demorando em cenas pautadas por reflexões acerca de amizade, da dor de perder alguém, da necessidade de estar cercado de gente querida para que o mundo seja um lugar menos feio. E Tom Holland mostra ter plena capacidade para segurar essa demanda dramática de um Peter Parker que ainda tem muito a aprender, mas que carrega dentro de si a noção absolutamente heroica do "nada substituiu o bom e velho fazer o certo”. E o filme enfatiza essas noções muito bem, se conectando à essência do Homem-Aranha.
Talvez o principal ponto frágil de Homem-Aranha: Sem Volta Para Casa seja a rapidez com que Peter encarcera vilões poderosos e, adiante, como a presença deles serve de desculpa ao desenho do amadurecimento do protagonista. As boas cenas de ação às vezes descambam em resoluções apressadas, especialmente tendo em vista a importância dos maléficos que resolvem aparecer no mundo do Aranha. Alfred Molina como Doutor Octopus e Willem Dafoe voltando ao Duende Verde roubam a cena, reafirmando que são intérpretes capazes de recalibrar personagens planos com nuances capazes de os tornar grandiosos. Uma pena que no meio de tanta a coisa a ser resolvida, Jon Watts não tenha se aprofundado na inversão de valores que, lá pelas tantas, transforma um vilão clássico num aliado de ocasião, valiosíssimo na luta contra o caos do multiverso. Aliás, há um aceno do realizador à obra-prima O Silêncio dos Inocentes (1991), quando Octopus se comporta brevemente como o (também doutor) Hannibal Lecter, o igualmente encarcerado que ajuda o herói a “entrar na cabeça” do alvo à solta. Essa dinâmica poderia ter rendido bem mais frutos, evidentemente, mas já é uma proeza que a piscadela resista no corte final, diante dos tantos personagens e demandas a serem contemplados. O roteiro a cargo de Chris McKenna e Erik Sommers consegue reunir tudo em torno das ideias.
ALERTA DE SPOILER – NÃO CONTINUE LENDO ESTE TEXTO SE NÃO QUISER SABER ALGO IMPORTANTE SOBRE A PRODUÇÃO. E o filme não seria tão intenso do ponto de vista dramático sem as participações elementares de Tobey Maguire e Andrew Garfield. Não chega a ser uma surpresa o fato deles estarem no filme (era algo quase óbvio depois de tanto burburinho), mas seus heróis realmente funcionam como desdobramentos de Peter durante a sua trajetória de renúncias a coisas/relações que lhe são muito caras. Tudo em prol da defesa heroica da tal segunda chance. É difícil conter as lágrimas num par de cenas, sobretudo naquelas em que o sofrimento do Peter de Holland é evidentemente reconhecido pelos Peter de Maguire e Garfield. Aliás, é muito bom (e corajoso) que Watts não crie uma ocasião apoteótica para introduzir ambos, preferindo fazer isso numa cena banal e quase anticlimática. Homem-Aranha: Sem Volta Para Casa tem inúmeros fanservice – introdução de elementos visando fisgar um público cativo de antemão –, mas até mesmo eles são utilizados com perspicácia e inteligência. A frase clássica “com grandes poderes vêm grandes responsabilidades” ganha uma conotação sentimental muito poderosa e, ao mesmo tempo, une afetivamente os Homens-Aranhas de mundos completamente diferentes. E ao menos um ato heroico do Peter de Garfield ressoa na perda de seu passado. Sacada lindíssima. Enfim, o bom é que uma das máquinas de marketing mais poderosas de Hollywood dessa vez está a serviço de algo que une múltiplos elementos, cumpre o compromisso com a ação, mas é fundamentalmente sobre laços humanos e a segunda chance negada por um mundo mesquinho que precisa do Homem-Aranha.
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