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Crítica


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Sinopse

Otis é uma estrela-mirim. Sua vida, porém, gira em torno do pai, James, ex-condenado e viciado em plena reabilitação. Por mais que se dedique à carreira do garoto, a forma rude como o trata o deixa traumatizado. Já adulto, Otis se interna numa clínica de reabilitação para tratar de seu vício em bebidas alcoólicas, o que faz com que relembre muitos dos abusos cometidos pelo pai quando criança.

Crítica

Muito se falou sobre a irascibilidade de Shia LaBeouf justamente quando ele ascendia ao topo de Hollywood. Jovem, bonito e carismático, era a estrela de Transformers e estava sendo preparado para assumir o chapéu e o chicote de Indiana Jones, ou seja, a fim de liderar outra franquia gigantesca. Todavia, problemas de comportamento, turbulências que o levaram aos tribunais e às clínicas de reabilitação foram reduzindo seu valor como um investimento certeiro. Logo ele assumiu uma persona avessa à celebridade, no que tantos se apressaram em rotular como um fim da linha. Depois de alguns trabalhos de destaque na seara independente, longe dos bons moços interpretados na época dos blockbusters, agora apresenta Honey Boy, sua realização mais pessoal, por ele roteirizado e no qual interpreta ninguém menos do que o próprio pai. O filme, um painel de seus anos de pequeno notável, mostra o quebradiço espelho paterno determinando sua personalidade.

Honey Boy entrelaça com dramaticidade dois momentos distintos das dificuldades enfrentadas por Otis (alterego de LaBeouf). Na infância, vivido brilhantemente por Noah Jupe, o protagonista é influenciado diretamente pelo comportamento paterno, numa dinâmica em que o fator econômico inverte a lógica natural. As turbulências não estão a serviço de algo maniqueísta, pois o intuito capital é o apontamento de uma reprodução involuntária de padrões que afetam sucessivamente gerações de homens instados a não demonstrar emoções, quiçá a afoga-las em garrafas de álcool até esgotarem limites físicos e psicológicos. James (LaBeouf), o pai, outrora um artista, desconta suas frustrações no menino, cuja carreira agencia com um misto de diligência e raiva. Fica evidente no semblante desse homem inquieto o quão árdua é a paternidade, principalmente tendo diante de si uma projeção do que ele poderia ter sido nesse mundo escroque do entretenimento estadunidense. A cineasta Alma Har’el refuta facilidades, mira ambivalências.

Otis na fase adulta, interpretado com semelhante pujança por Lucas Hedges, é um retrato do ator no doloroso processo de mergulho nas substâncias lícitas e ilícitas, às quais recorre para dirimir as dores. Nesse estágio, a relação com o pai é verbalizada/resgatada em meio às várias técnicas para se desvencilhar dos vícios nefastos, como abraçar-se em grupo ou soltar um grito na floresta. Honey Boy relaciona com excelência essas temporalidades distintas, gradativamente fazendo do amadurecimento o coadjuvante da meninice, até porque nesta há efetivamente James. Levando em consideração todo o contexto da produção, especialmente a inspiração na trajetória acidentada de Shia LaBeouf, o ator/roteirista demonstra, além de enorme destreza técnica e do talento contumaz, inteligência emocional para extrair de passagens lancinantes, quando obrigado a colocar-se na pele escorregadia de seu genitor, as faíscas necessárias para criar esse panorama melancólico.

Deixando terreno ao entendimento da situação doméstica de Otis como exemplo de outras jornadas tortuosas de estrelas precoces, o roteiro de LaBeouf não faz do menino, e depois do adulto atormentado, a única vítima da circunstâncias. Embora sejam mais frequentes as cenas do comportamento absolutamente inadequado de James, a ele igualmente é garantido um espaço de expressão a fim de suscitar empatia. Todavia, o grande ativo de Honey Boy, além da coragem do autor para perscrutar os abismos, é o desempenho excelente de seus três principais atores. Noah Jupe é imprescindível para tornar potente o Otis pré-adolescente, mantendo em equilíbrio a fragilidade pós-infantil e a impetuosidade dos que precisam se virar praticamente sozinhos. Lucas Hedges, a despeito do pouco tempo de tela, sublinha a vitalidade desse protagonista em busca de juntar os cacos e encontrar um lugar menos hostil para existir. E Shia LaBeouf, interpretando o pai, faz um trabalho notável, até de expurgar seus demônios e torná-los combustíveis para uma criação sensível e eloquente.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.
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