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Sinopse

Na tentativa de chamar atenção para a crise ambiental, um grupo de jovens ativistas decide invadir e vandalizar uma loja de móveis. No entanto, o protesto se transforma em um massacre quando se veem presos com um segurança com uma obsessão doentia por caça.

Crítica

Um grupo de jovens ativistas decide se infiltrar de madrugada numa varejista de móveis e artigos de decoração para vandalizar o interior da loja como forma de protesto. Até aí tudo bem, afinal de contas a indignação move montanhas e por que não poderia servir para a nova geração demonstrar o seu legítimo descontentamento com os rumos do capitalismo irresponsável? No entanto, em Hora do Massacre os cineastas François Simard, Anouk Whissell e Yoann-Karl Whissell (que assinam com a sigla RKSS) curiosamente não estão preocupados com a dimensão política do enredo. O banho de sangue que vem a seguir pode até ter uma leve conotação simbólica. É possível espremer o fiapo de trama em busca de algo significativo? Claro que sim. No entanto, a matança é o essencial nesse filme que salta em questão de minutos do suspense sem tensão para o terror com poucas ideias criativas. Praticamente tudo o que extrapola a sanguinolência não tem importância e/ou é mal desenvolvido. O roteiro sugere uma tensão entre o líder dos ativistas e um novato de comportamento hesitante. Porém, o filme não avança nesse sentido, perdendo essa pequena rivalidade de vista tão logo as coisas fiquem feias. Toda a lenga-lenga envolvendo os irmãos seguranças ameaçados de iminente demissão, os vilões dessa empreitada, acaba sendo a velha “conversa para boi dormir”. Tudo é neutralizado pela correria.

Hora do Massacre não toma uma posição diante dos ativistas. Às vezes parece enxerga-los como jovens mimados em busca de algo que sacuda as suas existências enfadonhas à procura de likes na internet. Logo depois, parece genuína a preocupação deles com as florestas amazônicas – o protesto é contra a utilização indiscriminada de madeira à produção de móveis e decoração. Ao desenhar o instável Kevin (Turlough Convery), o principal dos algozes, o trio de cineastas ora o percebe como um lunático primitivista que têm hobbys bizarros (neste caso, confeccionar armas precárias para caçar como os humanos que viviam em sociedades pré-industriais), ora como alguém cuja fragilidade mental e agressividade inspiram cuidados. Então, se o filme não lida bem com a construção dos personagens, meio que dá de ombros às possibilidades metafóricas do enredo, o que resta para acompanharmos nos quase 90 minutos de sua duração? Uma sucessão de cenas mal orquestrada de matança, sem que haja a construção de uma atmosfera apropriada para causar nervosismo na plateia. François Simard, Anouk Whissell e Yoann-Karl Whissell sequer utilizam o emaranhado de corredores da loja para criar uma sensação labiríntica que poderia intensificar a nossa expectativa. Parece que a eles basta colocar um maníaco correndo atrás de adolescentes para alcançar certa relevância. O resultado é um filme morno e sem personalidade.

Em meio ao insosso jogo de gato e rato, são abundantes as incoerências, aqueles momentos em que os criadores contam com a benevolência de uma plateia supostamente disposta a aceitar tudo sem qualquer contestação. E o pior num filme de terror: tratam os efeitos da violência com uma displicência capaz de banalizar o impacto dos momentos mais gráficos. Por exemplo, numa cena vemos alguém arrebentando a cabeça na quina de um móvel, perdendo sangue aos baldes num claro prenúncio de morte em segundos. Porém, à frente essa pessoa retorna ao cenário apenas com uma mancha vermelha no pescoço e sem dar quaisquer outros sinais da contusão provavelmente fatal que teve antes. Aliás, esse retorno serve para incutir a culpa em alguém. E pra quê fazer isso, se esse sentimento não é minimamente explorado? Um dos jovens “irresponsáveis” leva uma facada nas costas, daquelas em que a arma branca de tamanho considerável entra quase completamente no pulmão da vítima. E o que acontece? O rapaz ainda corre uns bons 40 minutos depois disso, como se realmente nada tivesse acontecido. Desse modo, François Simard, Anouk Whissell e Yoann-Karl Whissell tratam os efeitos da selvageria como algo sempre a ser relativizado, a não ser quando alguém tem a cabeça destruída pelo agressor. Nos outros casos, os ferimentos fatais são sujeitados às conveniências do roteiro.

No entanto, o momento mais nonsense (no mau sentido) de Hora do Massacre é quando, numa corrida contra o relógio para salvar a vida da amiga presa no freezer (por que diabos tem uma câmara fria numa loja de móveis e decorações?), os amigos sobreviventes são obrigados a montar um armário de duas portas. É isso mesmo que você leu. O vilão literalmente pede a suas vítimas de ocasião que se desloquem até o depósito, peguem duas caixas e leiam os manuais de instrução para saber como conectar prateleiras com cavilhas e parafusos. Além de não colocar o absurdo da situação para trabalhar a favor do painel tétrico que deveria ir se formando, François Simard, Anouk Whissell e Yoann-Karl Whissell quebram o ritmo das perseguições com outras cenas semelhantes a essa por seu teor ridículo. Então, perseguindo ativistas com pouca convicção real sobre as causas pelas quais lutar está o vilão cada vez mais bestializado e não definido entre o doente mental e o babaca primitivista esperando apenas uma oportunidade para dar vazão à sua agressividade. É tudo bastante frouxo, dispersivo e sem credibilidade nessa produção que poderia abraçar a limitação física e até os discursos ativistas como forma de desenhar um comentário bem mais efetivo sobre a nossa realidade em que os discursos colidem violentamente. Poderia ser também um banho de sangue sem qualquer pretensão política nas entrelinhas. Claro. Nos dois casos, porém, ele precisaria de muito mais consistência e habilidade.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.
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