Crítica

Vem da Venezuela o drama Hora Menos, co-produzido com a Espanha, onde se passa parte da trama – mais precisamente, nas Ilhas Canárias, arquipélago do Oceano Atlântico, próximo a Marrocos, que faz parte do reino espanhol. Mas, ao contrário do recente – e mais bem sucedido – Pelo Malo (2013), de Mariana Rondón, com quem divide a nacionalidade, o trabalho de estreia do ator Frank Spano atrás das câmeras tem mais dificuldades em atingir os seus objetivos justamente por ser maior a ambição envolvida quanto à estrutura da história, ainda que sua identidade temática seja bastante simples. Os excessos pelos quais a trama atravessa se revelam desnecessários, mais atrapalhando do que contribuindo com a narrativa, confirmando-se como artifícios que tentam desviar a atenção do espectador em relação a quão raso é seu argumento original.

Baseado num episódio real, quando uma tormenta provocou enchentes pelo país, provocando milhares de vítimas, Hora Menos tem como ponto de partida justamente essa tragédia natural. Isabel (a espanhola Rosana Pastor, de Terra e Liberdade, 1995) é uma enfermeira que carrega consigo um trauma: a falta do filho, que aos cinco anos morreu de uma grave doença. Sem poder mais engravidar, ela tenta convencer o marido a considerar a possibilidade de uma adoção. Após mais uma conversa sobre o assunto, eles se separam – ele, médico, é chamado por uma emergência – e a fatalidade acontece. Quando as coisas enfim se acalmam, ela, uma das sobreviventes, parte em sua procura, apenas para encontrá-lo morto. Nesse processo se depara, no entanto, com a jovem Yudeixi del Carmen (a estreante Erika Santiago), a mesma garota que havia lhe assaltado recentemente. A situação agora se inverte, e será a menina que estará na condição mais frágil, permitindo que a mulher mais velha não só a ajude como também a acolha em sua trajetória.

O desastre que separa, também une. Essa é a premissa de Hora Menos, tão bem explicitada a cada momento do enredo – assinado também por Spano – que resta pouca sutileza a ser compartilhada com a plateia. Sem família nem mais nada que as prenda ali, as duas estranhas passam a criar uma relação de dependência, partindo juntas para as Ilhas Canárias, num movimento de auxílio do governo espanhol àqueles que possuem dupla cidadania – caso de Isabel, mas não de Yudeixi, que só irá na viagem graças a uma mentira da outra. No novo país aprenderão a confiar uma na outra, enfrentarão outros problemas e terão que lidar com Alfredo (Luis Fernández), que se num primeiro momento as ajuda oferecendo comida, cama e emprego, logo irá cobrar um preço alto por todas estas ofertas. Somente separadas poderão seguir adiante. Mas o processo que as uniu uma vez irá se repetir novamente, e a partir de então uma família inesperada estará formada.

Frank Spano, que foi coadjuvante de O Conselheiro do Crime (2013), de Ridley Scott, deixa bem claras as suas intenções de fazer de Hora Menos um drama hollywoodiano – produção internacional, grandes eventos envolvidos, mudanças radicais nas vidas das protagonistas – mas o que consegue está mais para um novelão mexicano. O título faz referência à diferença do fuso horário que as duas precisam enfrentar em suas novas vidas, mas é explicado em cena de forma tão caricata que chega a perder sua força. No final, após uma montagem confusa e uma trilha sonora clichê, o que resta são duas atrizes realmente entregues, que ainda que careçam de uma mão firme para lhes conduzir, mostram um empenho impressionante ao defenderem suas personagens. Não é muito, mas o suficiente para ao menos marcar na memória do espectador.

As duas abas seguintes alteram o conteúdo abaixo.
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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.

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