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Sinopse

Horácio é um excêntrico contrabandista de 80 anos que precisa fugir por causa de um juiz que decretou a sua prisão. Ele se esconde no Bixiga, um bairro tradicional de São Paulo, e tranca Petula, sua filha de 40 anos, num quarto, deixando-a acorrentada numa cama. Enquanto ela tenta fugir com o amante, Horácio fantasia uma relação com Milton, seu capanga predileto, que, por sua vez, está apaixonado por uma mulher jovem e misteriosa. Ao perceber que o cerco está se fechando e que pode ser preso, o malandro tenta convencer o rapaz a fugir para o Paraguai e começarem, juntos, uma vida nova.

Crítica

A escolha do icônico José Celso Martinez Corrêa – aqui apresentado apenas como Zé Celso, o que já denota a certeza do realizador a respeito da intimidade dos espectadores com a persona pública do artista – é mais do que suficiente para elevar Horácio da vala comum das tantas comédias que tem sido produzidas no Brasil nos últimos anos. O diretor e roteirista Mathias Mangin sabe disso, e trata de apostar suas fichas na presença do veterano agitador, que dessa vez se apresenta apenas como ator, deixando de lado as atuações como realizador (principalmente no teatro) a qual tem se dedicado com mais afinco nas últimas décadas. No entanto, é melhor não se enganar: Horácio, o protagonista, é puro José Celso Martinez Corrêa – ou mesmo Zé Celso – da ponta dos pés até o último fio de cabelos. Para o bem, e para o mal.

O início é um tanto manjado: uma mulher arrasta corpos por um chão coberto por plástico, até que Horácio chega. Ela pergunta por Milton, ao que ele responde: “está morto”. Ou seja, a audiência, de partida, sai com a informação de que se tratam de dois assassinos – ou ao menos imagina-se isso, pois a trama se encarrega de voltar em algumas horas para que seja explicado os últimos acontecimentos até o suposto clímax. A mesma garota, que descobrimos ser Petula (Maria Luísa Mendonça, mais uma vez com um personagem emocionalmente instável nas mãos), está algemada a uma cama. Quem a mantém assim é o pai, Horácio, com a ajuda do capanga – ninguém menos, é claro, do que o próprio Milton (Marcelo Drummond). Mas os dois estão ali de passagem, e nem mesmo ela deverá permanecer naquela situação por muito tempo. Afinal, a história precisa andar.

Logo após ser solta – sem que o público saiba ao certo o porquê de ter sido mantido presa – é levada à sala, onde um parabéns a aguarda. Ela se recusa experimentar o doce – “como posso deixar minha herança para alguém que nem prova o bolo do seu aniversário?”, Horácio pergunta. No entanto, ele tem outras preocupações em mente. Escondido da polícia, o ex-contrabandista de cigarros pretende se mandar para o Paraguai – onde acabou de ser liberado o uso da maconha (não haveria aqui uma confusão com o Uruguai?) – na companhia do seu braço direito (por quem é secretamente – mas não tão disfarçado assim – apaixonado). Enquanto isso, na primeira oportunidade, Petula liga para o namorado, Faraó (Ricardo Bittencourt), para avisar do seu paradeiro. Esse, com a ajuda da amante, Nadia (Sylvia Prado, de Tatuagem, 2013), descobre na informação um jeito fácil de aplicar um golpe, conseguindo assim – ou, ao menos, é o que espera – levantar a grana suficiente para pagar seu agiota, Kaleb (Eucir de Souza).

A trama, como se percebe, parece intrincada. Mas não chega a ser tão enrolada assim. Afinal, nada mais é do que desculpa para que Zé Celso possa desfilar suas excentricidades na tela grande por pouco mais de 90 minutos. Assim, o vemos dançando sozinho em uma sala repleta de objetos fálicos, vestindo sutiãs e experimentando batons, fingindo machucados para ganhar a atenção do brutamontes que o acompanha, ao mesmo tempo em que ameaça a filha trapaceira. Milton, no entanto, tem uma agenda própria – ele pretende fugir com uma prostituta transexual (Glamour Garcia). E enquanto a câmera um tanto insegura de Mangin parece não muito bem o que fazer com o circo que está armado, será o carisma dos personagens reunidos que garantirá que o interesse de quem os observa à distância siga em alta até retomarmos ao ponto de início.

Longe de ser filme de um único personagem – e, por isso, numa análise mais fria o batismo do projeto se mostra inconsistente – Horácio levanta mais perguntas do que se ocupa em respondê-las, permitindo que cada um, se assim se importar, construa sua experiência a partir do que se encontra alinhado. E assim se chega a uma inevitável conclusão: por mais que seja um verdadeiro deleite esse reencontro com Zé Celso em um ambiente ao qual ele há muito não retornava – seu último trabalho no cinema havia sido uma pequena participação do seminal Encarnação do Demônio (2008), há mais de uma década – ela não chega a ser bastante para que se perdoe todos os pormenores de uma condução claudicante e de um resultado aquém de qualquer possibilidade cogitada. Seu espírito inquieto está por toda a projeção. Faltou oferecer algo mais do que isso, infelizmente.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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