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Crítica


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Sinopse

​No Reino Unido do fim dos anos 1970, Enn, um jovem tímido e fã da nova febre punk, está pronto para se apaixonar. Até que ele conhece a etérea Zan, que acredita que o punk vem “de uma outra colônia”, uma de muitas pistas de que ela talvez não seja desse planeta.

Crítica

Como Falar com Garotas em Festas, adaptação do conto homônimo de Neil Gaiman, se passa em meio a cena punk britânica do fim dos anos 70. O clima de anarquia e contestação alimenta as atitudes de Enn (Alex Sharp), protagonista do filme, e de seus melhores amigos, Vic (Abraham Lewis) e John (Ethan Lawrence), jovens que produzem fanzines e saem por aí colando ícones contraculturais em placas de sinalização e/ou em totens da sociedade careta. A relação dos personagens com a música e, mais fortemente, com a cultura singular que dela deriva, é um elemento imprescindível do longa-metragem do cineasta John Cameron Mitchell. A partir do show numa casa noturna celebrada, ponto de encontro dos garotos revoltados e afeitos aos timbres histriônicos que anunciam inconformismo, o enredo toma rumos distintos, com a apresentação de figuras estranhas, habitantes de uma residência afastada onde, supostamente, deveria acontecer a comemoração capitaneada pela empresária Boadicea (Nicole Kidman).

Embora preguem emancipação, os adolescentes são quase completamente inexperientes, especialmente no que diz respeito às paixões e ao sexo. Esse caráter em comum permite ao realizador trabalhar o envolvimento com os excêntricos desconhecidos, dando-lhe contornos de rito de passagem. Sem entender muito bem a dinâmica dos forasteiros, Enn e os colegas acreditam que eles são meros turistas da América, mais precisamente norte-americanos exóticos de Los Angeles. Mitchell não nos confina na bruma que envolve a percepção inocente dos meninos, deixando-nos clara a verdadeira natureza dos visitantes interplanetários. Curioso, os extraterrestres utilizam roupas vinílicas, expediente alusivo, ao mesmo tempo, à moda da época em que o filme se passa e a uma convenção dos figurinos das ficções científicas de antigamente. É um detalhe aparentemente insignificante, mas que demonstra o cuidado da produção com a ambientação e suas possíveis ressonâncias nas vivências dos moleques.

Aqui, o pilar é realmente o envolvimento gradativo entre Enn e Zan (Elle Fanning), a alienígena rebelada contra as restrições impostas por seu povo, que solicita 48 horas para viver como humana e experimentar o desenvolvimento de sua subjetividade. Há um fino traço de humor perpassando Como Falar com Garotas em Festas, com a recorrência de piadas funcionais. Exemplo disso, a que dá conta da interação sexual de Vic com um casal. Enquanto isso, Zan descobre gradativamente como é o cotidiano dos humanos, provando comidas, indo ao banheiro, dançando ao som de músicas empolgantes, e por aí vai. Do elo insuspeito nasce a evolução de ambos, com Enn sendo alçado à posição central. Mitchell constrói uma narrativa vibrante, repleta de ângulos de câmera enviesados, brincadeiras ocasionais com a velocidade da imagem e um colorido contrastante com o acinzentado próprio dos subúrbios ingleses. Tiradas ácidas entrecortam o desenvolvimento da trama, adensando bastante os seus contornos.

O comportamento dos alienígenas fica, de acordo com a encenação proposta, entre o satírico e o reverente, especialmente por valer-se com graça de uma ideia (então retrô) cinematográfica de sci-fi. Zan observa o mundo com a curiosidade de quem busca apreendê-lo rapidamente, decodificando suas particularidades. Enn olha para essa mulher com semelhante espanto, pois diante da novidade de sentir-se apaixonado. Como Falar com Garotas em Festas investe pesado no punk como moldura e pano de fundo da história de amor. Nicole Kidman, o nome mais conhecido do elenco uniformemente competente, sobressai como a mulher à frente da horda de insatisfeitos incorrigíveis, numa caracterização deliciosamente espalhafatosa, corroborando a sensação de agitação sociocultural que tão bem fornece o tempero singular desta realização que transpira arrebatamento pelos ímpetos de uma juventude em constante movimento, que enseja mudar o mundo, virando-o do avesso.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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