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Sinopse

A vida de Humberto Mauro através de seus filmes, vista através de entrevistas feitas com ele e realizadas nos anos 1960. Um amplo painel dinâmico e humano sobre a criatividade e o cinema do cineasta, expondo as soluções técnicas incomuns para fazer seus longas, diante das adversidades inerentes ao trabalho pioneiro no início do século XX em uma pequena cidade latino-americana.

Crítica

Uma voz frágil, levemente claudicante e distante ecoa sobre os primeiros planos do documentário Humberto Mauro, repetindo coordenadas através de um aparelho de radioamador. A voz em questão, que parece buscar contato já em outro plano, é a do próprio biografado, o cineasta Humberto Mauro (1897 – 1983), o mesmo que, em uma passagem posterior, revela o desejo de que seus netos e bisnetos possam “no ano de 2020, talvez” ouvir o registro da entrevista por ele concedida ainda nos anos de 1960. A escolha por expor tal fala não é ocasional, afinal, o diretor do longa, André Di Mauro, é sobrinho-neto de Humberto e, com seu trabalho, parece buscar atender ao chamado feito pelo pioneiro realizador do cinema nacional, com o intuito de promover a (re)descoberta de sua extensa e valorosa obra, construída entre as décadas de 1920 e 1970.

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Para investigar a filmografia do tio-avô, André adota uma abordagem que vai de encontro a um ponto levantado em outro fragmento de depoimento, no qual se salienta o fato de muitas obras documentais se prenderem excessivamente às figuras dos entrevistados ao invés de oferecerem imagens que ilustrem o que estes estão dizendo. Assim, André deixa que as imagens dos onze longas – como os seminais Tesouro Perdido (1927), Brasa Dormida (1928) e Ganga Bruta (1933) – e de parte dos mais de duzentos curtas e médias-metragens – entre eles, o clássico A Velha a Fiar (1964) – de Humberto falem por si, revelando, entre outras coisas, os traços de sua assinatura autoral, apenas complementado-as com as falas em offextraídas essencialmente de duas entrevistas – além de pontuais depoimentos de alguns profissionais que trabalharam ao lado do cineasta.

A exemplo de outros títulos recentes, como Cinema Novo (2016) ou Histórias Que Nosso Cinema (Não) contava (2017), o longa de André Di Mauro se vale de um meticuloso trabalho de seleção de imagens e de uma montagem rigorosa para construir uma narrativa que, mesmo nunca abandonando o elemento poético e abstrato, se apresenta bastante ordenada, lógica, dividida organicamente em blocos temáticos – como a admiração de Humberto pela natureza – para compor sua trajetória. Dessa forma, passamos pelo início de sua carreira na cidade de Cataguases, no interior de Minas Gerais, por sua mudança para o Rio de Janeiro, até seu estabelecimento no Instituto Nacional de Cinema Educativo. Tratando apenas superficialmente do aspecto pessoal da vida do biografado, o longa se concentra em sua produção artística, oferecendo uma experiência imagética que transmite a força de seu estilo único e inovador, influência para diversas gerações posteriores de cineastas, como a dos cinemanovistas Glauber Rocha e Nelson Pereira dos Santos.

Um estilo realmente desbravador, já que Humberto não possuía uma formação acadêmica, moldado sobre as próprias dificuldades e limitações existentes na produção cinematográfica brasileira do início do século XX. A inventividade e o improviso, mesclados ao destacado apuro estético, transbordam em cada plano escolhido, expondo as predileções do cineasta, como a já citada relação estreita com a natureza – para ele, o progresso era “antifotogênico” – elemento fundamental no estabelecimento de um cinema primordialmente regional, como o próprio definia, mas, ainda assim, capaz de ser nacional e mesmo universal. Esse interesse pelo Brasil profundo e suas raízes históricas – seja retratando o passado, como com O Descobrimento do Brasil (1937), ou o presente, nos diversos curtas sobre o cotidiano dos trabalhadores rurais – ajuda a compreender a importância de Humberto como um dos formadores da identidade cinematográfica do país.

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Feliz em sua colagem de imagens, André imprime um notável senso de unidade – narrativa e estética – a Humberto Mauro, proporcionando uma imersão profunda no universo apresentado. As observações diretas, simples e geralmente espirituosas do próprio Humberto, materializam – ainda que quase exclusivamente pela voz – sua presença ao longo da projeção, e complementam a agradável experiência que, ao final, atinge seu principal objetivo: o de resgate e incentivo à preservação não apenas da obra particular do cineasta, mas da memória audiovisual brasileira como um todo – algo simbolizado pelos planos próximos ao desfecho, projetados em sentido reverso, das árvores derrubadas, como se estas se reerguessem e reocupassem seus devidos lugares. Um objetivo atingido através do fluxo contínuo de quadros em movimento, que acaba por dar sentido à afirmação de Humberto de que “o cinema é cachoeira”.

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é formado em Publicidade e Propaganda pelo Mackenzie – SP. Escreve sobre cinema no blog Olhares em Película (olharesempelicula.wordpress.com) e para o site Cult Cultura (cultcultura.com.br).
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Leonardo Ribeiro
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Robledo Milani
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MÉDIA
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