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Sinopse

Emerson, um jovem da periferia, quer fazer um filme sobre sua história na Ilha, lugar onde quem nasce nunca consegue sair. Para isso, sequestra Henrique, um premiado cineasta. Juntos, reencenam a própria vida, com algumas licenças poéticas. O plano começa e, a partir de então, não há mais limites, afinal, cinema também é jogo.

Crítica

Premiados no 50º Festival de Brasília com o longa de estreia, Café com Canela (2017), os diretores Ary Rosa e Glenda Nicácio voltam ao evento brasiliense apenas um ano depois com o trabalho seguinte, Ilha. E se tecnicamente este novo filme representa um avanço em relação ao anterior, o mesmo também se percebe no que diz respeito à estrutura narrativa e à trama que optam por desenvolver. Essa maturidade, no entanto, nem sempre vem acompanhada por uma melhora qualitativa – apenas indica que estão dominando melhor as ferramentas do fazer cinematográfico, mesmo que esse, por si, ainda encontre alguns entraves no seu desenvolvimento. Desta forma, o que vemos é mais um produto, reflexo de uma diretriz assumida com orgulho e defensora de uma causa pela qual se julga válida, do que uma obra movida por um mero impulso criativo.

Ilha começa com Henrique (Aldri Anunciação) amarrado a uma cadeira, com um saco sobre o seu rosto. Ao seu lado estão Emerson (Renan Motta), que parece no comando, e Thacle (Thacle de Souza), aquele que segura a câmera e registra o que é mostrado em cena. Esse mesmo recurso, por exemplo, de exibir apenas o que captado pelas lentes, mais adiante será deixado de lado, mostrando que nem mesmo o que perseguem perdura até deixar alguma marca. Mas a fórmula continua por um bom tempo, o suficiente, ao menos, para entendermos o jogo em questão: o primeiro foi sequestrado pelo segundo, que deseja que este conte a sua vida no cinema. Para isso, é importante saber que Henrique é um importante cineasta, informação repetida em excesso durante o desenrolar da trama. Diálogos expositivos e um enredo circular fazem parte dos tropeços que Rosa e Nicácio não conseguem evitar.

Por outro lado, os dois estão conseguindo fazer aquilo que Joel Zito Araújo sonhou e Jeferson De somente vislumbrou: construir uma filmografia que responda por um cinema negro de qualidade, e com a cara e a alma do Brasil. Não é exagero afirmar que praticamente 100% do elenco de Ilha é composto por atores negros, e isso assim se dá de forma orgânica, sem nunca soar impositivo ou deslocado da realidade. Estamos na Bahia, o estado com maiores raízes africanas do país, mas ao mesmo tempo estes personagens se encontram em uma ilha longe de tudo e todos, “da qual ninguém escapa”. Seria mais uma condição geográfica ou um estado de espírito? É isso, portanto, que a inusitada associação entre o traficante e o realizador irá produzir.

Não tardará para que os dois, que num primeiro momento atuavam como antagonistas, logo estejam dividindo não apenas o copo de cerveja, mas também excitações e carinhos. Ainda que desprovido de sutilezas, Ilha quer que sua crítica seja ouvida, não apenas num cenário maior, provocando uma sociedade que se faz cega frente a questões que não podem mais ser ignoradas, como também dentro de um contexto restrito, como o próprio universo cinematográfico nacional. Henrique se consagrou na profissão, mas perdeu “o tesão”, como, eventualmente, acaba concordando. Não por acaso, é justamente nessa fase que encontra o maior sucesso, que termina por deixá-lo acomodado nesta condição. Emerson, portanto, será responsável por tirá-lo dessa zona de conforto, obrigando-o a se confrontar consigo mesmo. Até chegar a esse ponto, o caminho é tortuoso – o fim da barreira entre ficção e realidade, promovida em uma sequência violenta e deslocada envolvendo um animal, é tão reforçada que nem mesmo o mais desligado poderá se dizer pego de surpresa após tantas explicações e reafirmações.

Indo do racismo à homofobia, do abuso familiar ao assistencialismo institucional, a metralhadora dos diretores aponta para vários alvos, e nem sempre é possível afirmar que a mira seja alcançada. Ilha levanta muitas questões, e se acaba se justificando pela urgência que estes debates imprimem hoje, por outro lado deixa expostas fragilidades que maior atenção e menos discurso poderia ter evitado. Há um filme aqui, é evidente, mas mais do que isso há palavras de ordem sendo defendidas, uma mensagem em busca de receptores ávidos por serem confrontados por aquilo que já esperam. E ao trilhar por um caminho seguro, tudo o que se consegue é pregar aos convertidos. Tem efeito, é claro. Mas nada que vá provocar mudanças muito fortes: nem junto àqueles a favor, muito menos com os contrários a tais debates.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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