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Sinopse

Atari Kobayashi é um garoto japonês de 12 anos de idade. Ele mora na cidade de Megasaki, sob tutela do corrupto prefeito Kobayashi. O político aprova uma nova lei que proíbe os cachorros de morarem no local, fazendo com que todos os animais sejam enviados a uma ilha vizinha repleta de lixo. Mas o pequeno Atari não aceita se separar do cachorro Spots. Ele convoca os amigos, rouba um jato em miniatura em parte em busca de seu fiel amigo. A aventura épica vai transformar completamente a vida da cidade.

Crítica

Voltando a trabalhar com animação stop motion após o ótimo O Fantástico Sr. Raposo (2009), o cineasta Wes Anderson cria o igualmente cativante Ilha dos Cachorros, partindo de uma alusão à ancestralidade japonesa. Valendo-se da textura das pinturas antigas nipônicas, há o prólogo com os esforços do clã Kobayashi, amantes dos gatos, para erradicar os cães do território. Embora a ojeriza tenha servido para transformar os caninos em animais de estimação, domesticados e subservientes ao homem, um jovem samurai e sua paixão garantiram a sobrevivência da cachorrada que, então, se alastrou, permanecendo na Terra do Sol Nascente. Essa fábula encontra uma substancial rima séculos depois, na fictícia Megasaki, cujo prefeito é um descendente Kobayashi (voz de Kunichi Nomura). Ele consegue banir os bichos para uma ilha dedicada ao lixo da cidade, escondendo nefastas intenções sob a fina aparência de boa ação, tendo como argumento uma doença aparentemente incurável transmitida pelos cães. Cabe ao sobrinho dele, Atari (voz Koyu Rankin), restaurar a ordem.

Ilha dos Cachorros é imageticamente bastante inventivo, aliás, como de costume na obra do realizador, que frequentemente, inclusive nos projetos live action, imprime tônica cartunesca às narrativas. Em se tratando de uma animação, tal característica cai ainda melhor. A meticulosidade dos cenários é equivalente à inteligência da construção da trama que absorve organicamente traços significativos da iconografia japonesa. Até as letras do alfabeto oriental são utilizadas como elemento de uma concepção visual sobressalente e rica. Excertos desenhados tradicionalmente remontam aos mangás, às histórias em quadrinhos famosas no Japão. Mesmo certas transições, como o rápido vislumbre de uma luta de sumô, apontam ao intento, prevalente, de fazer uma grande homenagem ao país em que a história acontece. Outro ponto que tange à criatividade do roteiro é a estrutura vigente nas comunicações. Todos os cães falam inglês. Os locais utilizam sua língua nativa, ora sendo traduzidos por intérpretes, ora fazendo-se entender pelas soma das pantomimas com as entonações.

Aliás, é bem sacada a intrusão das pessoas que versam para o inglês a fala dos nipônicos, encaixada como componente natural e engenhoso. Os verdadeiros protagonistas de Ilha dos Cachorros, contudo, são os supostamente irracionais, devidamente antropomorfizados, mas que conservam o sumo de sua animalidade. Chief (voz de Bryan Cranston) é vira-lata, porém se torna um dos líderes naturais da matilha de pedigree que anda pelo lixão brigando com seus pares por restos de comida. Ele é orgulhoso, não admitindo submissão ao homem. Rex (voz de Edward Norton), King (voz de Bob Balaban), Boss (voz de Bill Murray) e Duke (voz de Jeff Goldblum), completam o time que vai ajudar o garoto Atari na missão de encontrar o seu fiel escudeiro, Spots (voz de Liev Schreiber). A ótima brincadeira de anunciar os flashbacks, de enfatizar a presença dos saltos temporais, serve, também, para fazer troça dessa sucessão de retrocessos, atenuando uma pequena fragilidade do roteiro que, todavia, é insuficiente para depor contra essa ótima aventura repleta de inventividade, em que há comunhão entre heróis de quatro e duas patas.

Ilha de Cachorros tem um elenco de dublagem invejável, dando-se ao luxo, por exemplo, de creditar Anjelica Huston como intérprete de uma poodle muda (?). Scarlett Johansson empresta sua voz a uma cachorra de raça que passa aparentemente sem arranhões pela temporada no lixão. Tilda Swinton vive a oráculo canino que compreende a televisão e Yoko Ono dá vida a uma assistente de cientista. A lista tem mais gente, com participações variáveis. A presença da menina Tracey (Greta Gerwig), norte-americana intercambista, pode gerar um ruído. Estrangeira, ela é a única que percebe os estratagemas do mal, pois grande parte dos japoneses não se dá conta das mentiras perpetradas pelo clã que odeia cachorros. Todavia, a aproximação dela com Atari cria uma nova possibilidade de leitura, já que a bravura e a importância de ambos, combinadas, desenham uma ponte entre Ocidente e Oriente. O novo filme de Wes Anderson é envolvente, cheio de signos reverentes e procedimentos muito bem articulados, fazendo jus ao prêmio de Melhor Direção obtido no Festival de Berlim.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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