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Sinopse

Seis influenciadores estão cansados da pressão e dos julgamentos das redes sociais. Eles decidem viajar juntos para uma ilha deserta, onde passarão o fim de semana desconectados. No entanto, uma tempestade tropical acaba com a eletricidade, e provoca o desaparecimento do barco que os transportou. Como farão para voltar para casa?

Crítica

A estratégia de trazer influenciadores digitais para estrelarem filmes brasileiros soa recente porque a própria existência dos youtubers constitui um fenômeno da última década. No entanto, ela expressa a vontade de fazer do cinema um veículo rentável para o star system do momento. Antes disso, Faustão, Sérgio Mallandro, Xuxa e Daniel estrelaram sucessos populares de bilheteria partindo de um raciocínio semelhante. Ora, em 2021, poucos nomes da televisão atrairiam tanto público quanto os produtores de conteúdo das redes sociais e mídias digitais. Por isso, o talento dramático destes jovens se torna secundário: eles não interessam ao projeto por sua capacidade de transformação em personagens novos, e sim por representarem a si mesmos. Espera-se que os fãs destes adolescentes paguem para assistir ao filme que ignorou o percurso das salas de cinema, driblou as estratégias de divulgação convencionais (junkets, entrevistas, críticas etc.) para encontrar o quanto antes seu habitat natural: a Internet. Quando foram lançados nos cinemas, projetos como Internet: O Filme (2017) e Eu Fico Loko (2017) tiveram resultados fracos, o que não impediu outros produtores de tentarem surfar na popularidade dos protagonistas. No caso de Ilhados (2021), o sucesso de público é difícil de mensurar, afinal, a exibição espalhada entre diversas plataformas de streaming impede a precisão dos dados de visualizações.

O filme oferece uma distribuição convencional de papéis e de representatividade: trata-se de seis personagens, sendo três garotos e três garotas de idades semelhantes. Uma breve apresentação sugere que estão estressados: eles são alvos de mentiras, bullying digital por detratores, cancelamento por suas falas, invasão de privacidade no que diz respeito aos namoros e flertes. O discurso parte do pressuposto que estes jovens sofrem, precisando de uma escapatória das redes de vez em quando. Por isso, o grupo aluga um iate e viaja a uma ilha exclusiva, sendo os únicos habitantes de um casarão. Apesar do luxo evidente desta escapada, o roteiro insiste que se encontram num lugar inóspito, perigoso, longe da civilização. A direção de fotografia revela a presença do continente muito próxima da pequena ilha mas, de acordo com os diálogos, eles se encontram isolados no meio do oceano Atlântico. O diretor Victor Soares exige benevolência do espectador, primeiro para acreditar neste distanciamento geográfico, em seguida, para crer numa tempestade tropical filmada de maneira singela (as folhas de bananeira jogadas contra a porta da casa), e depois para acatar com o desaparecimento do iate gigantesco. A trama passa por cima de elementos fundamentais do suspense (a lenta progressão da tensão, a sugestão de pistas falsas ou caminhos alternativos) para acelerar a percepção destes adolescentes enquanto vítimas de um calvário.

“Eu não aguento mais ficar neste buraco”, reclama um dos viajantes, preso há poucos dias na ilha confortável, dotada de piscina, boias infláveis, sol generoso. “Não aguento mais ficar passando fome aqui”, confessa uma das garotas, porém jamais vemos a escassez de fato – o grupo sequer se alimenta em cena. Eles haviam se preparado para uma viagem de fim de semana que se estende por mais tempo, embora tenham trocas de roupas suficientes para a longa estadia. Os penteados permanecem impecáveis, e os celulares jamais esgotam a bateria. Por esses e tantos outros motivos, fica difícil acreditar neste sofrimento gourmet, incapaz de reconhecer os óbvios privilégios associados à fama. O sexteto nunca se responsabiliza pelos motivos que provocaram o “cancelamento”, seja as falas irresponsáveis sobre uma dieta, as especulações a respeito da vida alheia etc. O sentimento de invasão de privacidade reflete um curioso sintoma dos nossos temas, afinal, são os próprios jovens que expõem suas vidas íntimas para os seguidores na busca obsessiva por likes (na palavra dos personagens). A ilha se transforma em metáfora para as provações da vida de youtuber. O olhar é piedoso a princípio, e martirizante em seguida, purificando os influenciadores criticados pela proximidade com uma tragédia. (A única representante LGBT é sacrificada em nome da redenção dos colegas heterossexuais, mas passemos).

Além das questões narrativas e ideológicas, Ilhados sofre com problemas técnicos e de execução. A maquiagem transparece dificuldades de continuidade (em especial no choque e nos ferimentos de Bernardo); cenas fundamentais como a contagem da comida possuem iluminação tão escura que sequer distinguimos as provisões do grupo; a trilha sonora exagera o perigo ao limite do cômico. Bernardo encontra uma desculpa improvável para justificar o fato de ninguém procurar por eles (“Eu avisei à empresa para não se preocupar”), inserindo-se numa série de diálogos truncados, escritos demais e estranhos à linguagem oral. Ora, os seis influenciadores reais são conhecidos por sua desenvoltura em frente às câmeras, pela capacidade de se expressarem livremente. Por que entregar a eles falas claramente artificiais, seja pelo palavreado, seja pelas supostas lições de vida (“Não importa o que os outros digam. Eu sei a minha verdade”)? O elenco é prejudicado por esta escolha: do grupo, apenas Vivi Wanderley transparece naturalidade nas falas, enquanto Pietro Guedes se enrola com a dicção, e Gregory Kessey, com a extensão dos diálogos. Ingrid Ohara pode ser considerara a protagonista, abrindo e fechando a narrativa com um vídeo-selfie estranhíssimo porque de fundo desfocado, na horizontal, em modo distinto das filmagens com telefones celulares. Ela nem sempre controla a voz, mais aguda em cenas de desespero, porém transmite a tristeza com mais convicção do que os colegas.

Ao final, o que esta iniciativa tem a dizer sobre o mundo digital e o estado do nosso cinema? A respeito da “profissão youtuber”, o longa-metragem nunca sugere que estes meios possam ser nocivos em si. O grupo aprende pouco com o trauma – ao final, aproveitam uma tragédia para rechearem novos vídeos, sem que o roteiro emita qualquer crítica a esta atitude. Ao público, a função de influenciador é idealizada. Ninguém será responsabilizado, nem pelas falas em seus canais, nem pela morte – o universo se torna tão condescendente quanto inconsequente. No que diz respeito à produção cinematográfica, trata-se de um momento curioso para o audiovisual brasileiro, por motivos que vão além da pandemia de Covid-19 e da paralisação das políticas públicas pelo governo Bolsonaro. Este filme representa uma forma particular de comunicação, evitando os intermediários do processo habitual de distribuição e exibição para chegar diretamente às televisões, computadores e telefones celulares de seu público-alvo. Começa a desaparecer o desejo de inserir um filme na memória cinematográfica, de incentivar reflexões a respeito, de promover o cinema enquanto experiência coletiva, compartilhada, cultural. A obra constitui um fenômeno de nicho, tão passageira quanto os vídeos das redes sociais. Neste caso, não é a linguagem da Internet que se adequa às demandas do cinema, e sim o cinema que se encaixa do funcionamento da Internet.

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Crítico de cinema desde 2004, membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema). Mestre em teoria de cinema pela Universidade Sorbonne Nouvelle - Paris III. Passagem por veículos como AdoroCinema, Le Monde Diplomatique Brasil e Rua - Revista Universitária do Audiovisual. Professor de cursos sobre o audiovisual e autor de artigos sobre o cinema. Editor do Papo de Cinema.
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