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Sinopse

O diretor parte de montagens de imagens para refletir sobre aspectos do cinema e do mundo. Colando cenas de filmes, de reportagens, de vídeos caseiros e mesmo de desenhos, o cineasta aborda as funções do tempo e do espaço, utilizando, em particular, o caso das imagens sobre o mundo árabe de como são percebidas pelos ocidentais.

Crítica

Talvez o francês Jean-Luc Godard seja, entre os cineastas vivos, aquele cuja força criadora melhor sustente o ímpeto de uma vanguarda profunda ou, pelo menos, quem se valha, com mais propriedade, de tentativas de extrapolar os já tão testados limites da chamada Sétima Arte. Há décadas ele vem refutando completamente as narrativas lineares, as progressões comuns, isso em função da ampla investigação que passa, como visto anteriormente em Adeus à Linguagem (2014), pela reflexão sobre os artifícios, tais como o 3D. Em Imagem e Palavra, todavia, a ponderação é bem mais voltada à ontologia da imagem, especificamente à faculdade violenta que toda representação imagética pode vir a ter. Já antes que o primeiro frame apareça, nos é alertado que determinadas passagens do filme não foram legendadas em virtude de um pedido do próprio cineasta. Portanto, o acesso completo ao discurso, sobretudo o verbal, é restrito aos franceses, no que se configura numa ação inadvertidamente excludente e, por isso mesmo, brutal, tal como o centro da sua discussão basilar.

Imagem e Palavra é composto de fragmentos oriundos de suportes diversos. Sem buscar efetivamente significados incontestáveis, Godard pouco se atém à justaposição, procedimento que provoca resultados a partir da comunicação entre planos distintos. Ele, então, quebra esse quase imperativo da construção narrativa audiovisual, friccionando as imagens, evitando, assim, mastigar considerações feitas durante um processo penoso, difícil de ser acompanhado sem doses cavalares de enfado. Em alguns momentos, há a supressão dos ícones, abafados pelo fade in, e a permanência do som, demonstrando claramente a possível dependência entre tais instâncias. Isoladas, elas funcionam de forma bastante diferente. Mas, esse tipo de estratagema é raro no longa-metragem, feito, no mais das vezes, de consecuções imagéticas aparentemente sem sentido, o que acaba gerando uma cacofonia, por certo intencional, mas que restringe demasiadamente a possibilidade de uma disposição no jogo. O espectador é convidado a participar, mas não instigado, necessariamente.

Desde os tempos de Cahiers du Cinèma, em que se provou um crítico tão brilhante quanto mordaz, Jean-Luc Godard inclinava-se à provocação. Quando despe a narrativa de Imagem e Palavra de componentes tradicionais, simplesmente oferecendo imagens de texturas, cores e épocas diversas, ele estabelece um espaço em que a plateia passiva não encontra muitos locais de penetração. A “incitação” soa demasiadamente autoindulgente neste filme que, excetuando os instantes-chave, nos quais realmente atinge uma repercussão condizente com a estatura de seu criador, corre o risco de perder-se no turbilhão de estímulos que intenta motivar. A narração é tão aparentemente aleatória quanto o encaixe das ferramentas visuais. Vez ou outra, em breves segundos, Godard permite a completude de um raciocínio ligeiramente reto. No último terço, o realizador considera a maior sincronia entre dito e mostrado, direcionando intenções ao mundo árabe.

Imagem e Palavra é uma colagem cerzida sem preocupação evidente com a produção e/ou com a manutenção de lógicas. Jean-Luc Godard rejeita a coerência como decorrente da articulação dos fundamentos à disposição. Como todo bom artista de vanguarda, corre riscos, neste caso, ao promover uma encriptação de seu discurso, com isso afastando possíveis interlocuções. Excertos como o desenho da atriz Marilyn Monroe sendo sucedido por registros de subdesenvolvimento – sim, pois entre a amostragem também há fontes documentais – são coadunados com a, proferida adiante, fala anti-imperialista do narrador. Porém, são atrações excepcionais que confirmam a regra, aqui adotada na tentativa de fazer brotar algo de um caos de fluxo constante. A selvageria, supostamente no centro dessa meditação cinematográfica, surge igualmente nos estampidos que quebram a fluidez sonora. Fruto de experimentalismos, é uma produção que, infelizmente, vira refém da sua inércia.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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