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Sinopse

Com suas próprias mãos, a classe trabalhadora registra – ao longo de uma década (2008-2018) – as alegrias e dissabores de sua jornada.

Crítica

Depois de tantas narrativas jornalísticas sobre a crise na Petrobrás pelo ponto de vista da diretoria e do governo federal, o diretor Leandro Olímpio toma uma boa iniciativa: registrar a crise através do olhar dos trabalhadores da empresa. Como os operários perceberam os conflitos políticos envolvendo as refinarias, e de que modo foram afetados? Que imagens produziram sobre si próprios, em telefones celulares, e depois publicaram na Internet? Constrói-se então uma narrativa de ascensão e queda, dividida em duas partes: primeiro, os anos de bonança (2008-2012), e em seguida, a onda de demissões e transformações na liderança (2013-2018).

Por mais clara que seja esta estrutura binária, ela soa simplificada demais: a primeira parte concentra apenas imagens de felicidade extrema, com os funcionários brincando, provocando uns aos outros, elogiando a grande empresa em que se encontram, admirando a vista do alto das usinas. Durante o período negativo, mais recente, deparamo-nos apenas com denúncias, relatos do local vazio, a descrença nos movimentos sindicais. Compreende-se que os dois períodos sejam representados principalmente pela esperança e pela desilusão, mas faltam nuances: nunca houve vozes dissidentes? Vistos por esta representação, os grupos anônimos se transformam em massas compostas por opiniões idênticas, que aparentam ter mudado do dia para a noite em 2013. Ora, nenhuma degradação ocorre de maneira tão abrupta. O que ocorreu neste período de transição? Como se construiu, progressivamente, a perda de confiança na idealização do ofício?

Imagens de um Sonho não possui tempo, nem material suficiente para responder a essas perguntas. A decisão de se apropriar unicamente de vídeos amadores no YouTube possui bom potencial – excelentes filmes “de montagem” foram executados a partir da apropriação de materiais alheios, como Pacific (2009), que também buscava a representação unificada de uma classe social. No entanto, os vídeos encontrados não dão conta de transmitir toda a narrativa de que o diretor precisa. Ele intervém, portanto, com extensos letreiros e narrações explicativas que reincidem no discurso das imagens sobre a felicidade e a desesperança. Olímpio explica que os telefones celulares se popularizaram, que a classe média se desenvolveu durante os anos PT, e que esta democratização teria permitido aos setores proletários produzirem imagens sobre si próprios.

A extensa narração divide-se em três partes: a informação histórica, de cunho informativo (buscando preencher lacunas que a imagem não consegue transmitir); a análise da imagem, quando o diretor vai além da descrição para esmiuçar as escolhas de enquadramento, luz e discurso destes operários, e o julgamento moral, quando o cineasta se torna crítico das imagens alheias, dizendo por exemplo que tal cinegrafista amador não conseguiu captar o que desejava (a frase sobre uma embarcação) e que outro visava proteger a imagem de Lula durante um comício vazio, mas que não poderia ser considerado um profissional. O diretor deixa a curiosa impressão de apresentar ao mesmo tempo a imagem e sua interpretação, ou seja, a colagem de materiais de arquivo e o manual de instruções sobre como gostaria que fossem lidas. Ao espectador, sobra apenas a postura passiva de absorver o discurso oferecido. Não se estima que as imagens possam ser claras por si próprias, ou que o espectador seja capaz de tirar suas conclusões pessoais.

Por fim, Imagens de um Sonho recai na ironia de fazer um filme de apropriação de material de arquivo, sem acreditar que este material de arquivo baste ao filme. O personagem principal não constitui o grupo operário, a Petrobrás nem a crise no país, e sim o próprio diretor, que conduz sua explanação sem abrir espaço a provocações, metáforas ou ambiguidades. Enquanto isso, recai em representações estereotipadas por meio da montagem: a felicidade é ilustrada por golfinhos nadando na água, enquanto o caos é transmitido pela multidão se afunilando num corredor, atropelando um colega na hora de correr para o almoço. Havia muitas outras imagens a escolher, sem dúvida, podendo ser ordenadas em muitas outras configurações. Mas o projeto prefere uma dicotomia inverossímil entre o trabalho como utopia e como distopia. Ora, qualquer transformação social, política ou econômica encontra-se no amplo espaço entre estas duas idealizações.

Filme visto na 6ª Mostra de Cinema de Gostoso, em novembro de 2019.

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Crítico de cinema desde 2004, membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema). Mestre em teoria de cinema pela Universidade Sorbonne Nouvelle - Paris III. Passagem por veículos como AdoroCinema, Le Monde Diplomatique Brasil e Rua - Revista Universitária do Audiovisual. Professor de cursos sobre o audiovisual e autor de artigos sobre o cinema. Editor do Papo de Cinema.
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