Crítica
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Sinopse
Uma reavaliação da herança deixada do período ditatorial de Getúlio Vargas. Através de materiais de arquivo, analisa fontes de inspiração externas, contradições e formas de funcionamento.
Crítica
Os 227 minutos de Imagens do Estado Novo 1937-45 impõem, de fato, um desafio, superado com maior ou menor dificuldade de acordo com o apetite histórico do espectador. O cineasta Eduardo Escorel se propõe ao trabalho hercúleo de, primeiro, garimpar imagens das mais várias procedências e, segundo, de organiza-las visando mostrar a herança do período conhecido como Estado Novo, que teve à frente a figura tão carismática quanto controversa de Getúlio Vargas. Para começo de conversa, é realmente impressionante a quantidade de material encadeado. As representações são alinhavadas pela fala de um narrador cujo benefício prevalente é o distanciamento temporal, algo que o permite revelar com mais acuidade os pormenores de movimentos diplomáticos e negociatas escusas que intentavam, nas mais diversas esferas, manter o poder concentrado em determinadas mãos, especialmente nas dos getulistas.
Imagens do Estado Novo 1937-45 é um poderoso documento desse ciclo capital da vida político-social do Brasil. Valendo-se de registros amadores, de cinejornais e manifestações dissonantes da época, ou seja, acessando desde fontes situacionistas às opositoras do regime ditatorial que contava com a aquiescência de parte da população, o realizador constrói um filme pungente, lançando mão de uma costura que clarifica as obscuridades, ainda que ligeiramente engessada. Embora o longa-metragem tenha uma inclinação didático-pedagógica, e que, logo, tenda a soar demasiadamente burocrático àqueles que privilegiam a inventividade, ele é uma peça necessária, justamente pela radiografia ampla que consegue realizar a partir do processo arqueológico da fortuna imagética do Estado Novo. Há uma estrutura bem delineada, da qual pouco se escapa, o que torna o resultado um tanto monocórdico, mesmo mantendo-se instigante em virtude do dinamismo das articulações. Não é uma sessão fácil, mas compensa em semelhante medida que exige.
Escorel até ensaia uma reflexão acerca do extracampo, do que está além das imagens que permaneceram como testemunhas de um momento bastante específico de nossa biografia nacional. Todavia, esse anseio não encontra desdobramentos formais, constituindo-se, tão e somente, numa proposição de ordem especulativa. Imagens do Estado Novo 1937-45 traz à tona boa parcela da organização governamental de Getúlio Vargas enquanto ditador, passando simbólica e factualmente pelo jogo geopolítico decorrente da Segunda Guerra Mundial. O documentário consegue expor com muita propriedade a indefinição do estadista brasileiro diante da disputa estadunidense/germânica, chegando a mostrar manifestações de grande adesão popular à causa nazista, especialmente em Blumenau, cidade com determinante ascendência alemã. Essas maquinações de bastidores, esmiuçadas através de documentos e dos discursos provenientes de origens plurais, constituem um dos pontos nevrálgicos do filme.
Imagens do Estado Novo 1937-45 também se atém à promíscua relação das Forças Armadas com o executivo brasileiro, constatando, irônica e melancolicamente, que os militares solidários à soberania de Vargas o depuseram mais adiante e, ainda, forjaram as bases do golpe de 1964. Eduardo Escorel, profissional de cinema com décadas de serviços prestados ao cinema, se vale de uma linguagem bastante clássica, sem consideráveis variações de tom, correndo o risco de, com isso, perder logo a atenção daqueles que se interessam insuficientemente pelos meandros nem sempre abordados das histórias oficial e oficiosa. Difícil é passar incólume pela experiência que o longa proporciona, seja por conta da evidente prova de resistência intrínseca aos 227 minutos de sua duração, ou, sobretudo, pela qualidade do seu engendramento que nos leva, por meio de um resgate imagético notável, à apropriação do passado, de eventos do outrora que, de uma forma ou de outra, ajudam a dimensionar melhor nossa submissão às forças estrangeiras, bem como a vocação tupiniquim ao desmando.
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