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Crítica


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Sinopse

Três mulheres diferentes enfrentam a inevitável banalidade do cotidiano até serem transportadas para uma realidade à parte, regida por suas próprias memórias. Lançadas em um lugar simultaneamente desconhecido e familiar, elas enfrentam as dores e ternuras de olhar para trás.

Crítica

Há certa impenetrabilidade intencional em Imo, primeiro longa-metragem da cineasta Bruna Schelb Correa. No mais das vezes, o filme é composto de cenas longuíssimas, nas quais três mulheres, alternadamente, se veem em instâncias que flertam com o surrealismo. Apenas nos momentos derradeiros, quando vemos uma delas nua no centro de um banquete dionisíaco e torpe, com homens se refestelando na comida e na bebida, comunicando-se por meio de grunhidos, são esclarecidas as intenções de estabelecer uma dialética entre a intimidade feminina e um mundo essencialmente falocêntrico/opressor. Antes disso, o que existe é uma sucessão de passagens aparentemente descabidas, com planos estendidos até o limite do suportável. Se trata de um poema de rimas pobres, que não encontra sustentação nas metáforas visuais. O todo se equilibra tortuosamente entre a exposição de simbologias mais óbvias e a insistência em outras pretensamente refratárias a associações diretas ou imediatas.

Sem determinar tempo nem espaço, Imo apresenta, portanto, essas existências femininas em rituais aparentemente cotidianos, como o vislumbre demorado de uma delas, a transexual MC Xuxu, descascando batatas à beira da janela na penumbra. No momento seguinte, uma fica simplesmente no pátio, acompanhada de um peru. Há a tentativa de tornar a construção narrativa sensorialmente ampla, não tanto refém das imagens, uma vez que o som desempenha função vital nessa delineação dos estímulos a serem absorvidos. Em instantes pontuais, os espaços ensaiam exalar relevância, com planos-detalhe de maçanetas antigas se movendo e o destaque dado a uma parede carcomida pelo tempo. Todavia, tal esforço não compensa no decurso do longa-metragem, porque é flagrante a reincidência numa dinâmica contemplativa destituída de força lírica. Móveis são cobertos, passarinhos gorjeiam, e nada de pungente parece acontecer no filme.

Imo investe em circunstâncias deliberadamente aflitivas, sem, contudo, trabalhar a contento a sua exploração dramática. Uma delas, provavelmente a mais sintomática desse desperdício, é a da jovem picando maçãs aleatoriamente – com a fruta sendo instrumentalizada, provavelmente, enquanto símbolo do pecado original, remontando, portanto, ao princípio da criminalização feminina, então ligada ao cristianismo –, sendo acossada por braços que brotam das costas. O telefone toca intermitentemente, enervando mais que causando bem-vindo desconforto. São frequentes os planos das protagonistas lavando pés ou em contato direto com a natureza. Diante da rusticidade dos homens que surgem, as mulheres são apresentadas como partes sofisticadas da criação, capazes de arrancar os próprios olhos e, ainda assim, ampliar seus demais sentidos. São também comuns as tomadas de afazeres cotidianos caracterizados pelo acesso à água corrente.

A opacidade intencional de Imo é um dos pilares da narrativa levada a cabo por Bruna Schelb Correa, cujo foco é a constatação do quão elementar é a mulher. Transcorrendo num ritmo demasiadamente caudaloso, com a câmera impávida testemunhando platitudes revestidas com um frágil verniz de lirismo, a produção logra êxito parcialmente em fazer sua ode à feminilidade, porém incorrendo em repetições e dilatações contraproducentes. As únicas falas audíveis são as masculinas, destorcidas para denotar a incompreensão, como se eles falassem um idioma completamente próprio e inacessível. De fato, é somente no banquete do clímax que o longa expõe a sua verve contestadora, quando desbragadamente se coloca a serviço da mensagem. Envenenando os machos com seu sangue, uma das protagonistas, até ali vilipendiada como se fosse um adereço de mesa, encontra tempo para compadecer-se de uma colega e voltar ao contato com os rios e as matas. É pouco a algo que tramita quase integralmente no vazio e numa suposição de relevância.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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