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Sinopse

Hilde é membro de um grupo antinazista na Alemanha do começo dos anos 1940. Apaixonada por Hans, jovem pertencente ao mesmo grupo de resistência, ela é presa pela Gestapo quando ostenta uma barriga de oito meses de gravidez.

Crítica

Um episódio como a Segunda Guerra Mundial não pode ser tratado de forma leviana. Pela mesma ótica, se faz necessário todo e qualquer esforço para que sua memória não caia no esquecimento. Se essa é uma verdade para todos os povos, se faz ainda mais premente no caso da Alemanha. Um dos responsáveis por carregar essa missão adiante é o cinema feito no país, que de forma regular tem revisitado esse trágico passado não apenas com o intuito de redimir sua culpa, mas também como resgate constante para evitar sua repetição. From Hilde, With Love é um exemplo desse tipo de esforço. O filme dirigido por Andreas Dresen pouco – ou quase nada – apresenta de novo sobre o tema. No entanto, seu percurso é feito com tamanha elegância e respeito que o mesmo se faz, se não com prazer, com crescente curiosidade e atenção. Muito disso, é fato, pela opção de investigar um lado geralmente pouco explorado da tragédia: a resistência jovem, que às escondidas lutou contra os abusos dos nazistas e que, portanto, sentiu na pele o preço a ser pago por esse tipo de desobediência civil. Mas há também uma combinação de elementos estrategicamente dispostos que, se não revolucionários, ao menos são eficientes no desenvolvimento de uma estrutura narrativa.

Dresen ganhou no Festival de Berlim o Urso de Prata de Melhor Atriz – para a protagonista Meltem Kaptan – com seu trabalho anterior, Rabiye Kurnaz vs. George W. Bush (2022), e o que alcança com Liv Lisa Fries (Munique: No Limite da Guerra, 2021) é digno de feito similar. É ela quem dá vida à personagem-título, que logo nos primeiros minutos de projeção, após sorver com gosto um morango colhido na horta nos fundos do jardim caseiro, é rechaçada pela mãe, que alerta: “assim não sobrará nada para fazermos a geleia”. A reprimenda, porém, é não mais do que um carinhoso lembrete frente ao drama que está prestes a ter início. Sim, pois em seguida as duas percebem a movimentação de veículos oficiais se aproximando. Causa estranheza, nesse ponto, a falta de protesto ou resistência – é quase como se estivessem à espera deles (o que provavelmente era verdade). Eis, então, que Hilde é levada pela polícia e sua saga tem início – ou mais ou menos isso. Pois o roteiro de Laila Stieler (parceira habitual do diretor) se desenvolve a partir de duas frentes: o presente, com a prisão, encarceramento e condenação da protagonista (e sua consequente luta por seguir viva), e no passado, por meio de uma série de flashbacks não necessariamente em ordem, que exploram não apenas o relacionamento romântico com Hans (Johannes Hegemann, de De Volta à Terra, 2023), mas também seu envolvimento com a militância política.

Eis, portanto, o máximo de originalidade que From Hilde, With Love admite quanto à forma assumida para o desenrolar de sua história. É uma escolha inteligente, pois é eficaz em ir, sem pressa ou atropelo, ligando os pontos de um quebra-cabeça maior, cujas partes vão sendo reveladas umas antes do que as outras, mas só ao final fará sentido por completo. Por outro viés, é também um tanto novelesco, pois pouco transita por áreas mais arriscadas no sentido de evitar um olhar tradicional ao abordar essa história de amor com a qual se ocupa na maior parte dos eventos narrados. O que Hilde faz, e que terminará por determinar o seu destino, é por amor, um desejo que até então desconhecia, percebido justamente pela comparação – a garota era noiva de um rapaz enviado para a guerra como soldado, e sua resistência em abraçar a nova paixão não será das mais rígidas, por assim dizer.

Assim como no brasileiro Olga (2004), construído a partir do caso de Olga Benário – e que em grande parte atravessou por situação similar à de Hilde no seu desfecho – a protagonista de From Hilde, With Love tem a tragédia do seu encarceramento agravado pelo fato de estar grávida e separada do marido. Então, a ela não lhe resta apenas o claustro, o afastamento da família e as privações decorrentes da sua captura. Há também a chegada de um bebê, a impossibilidade de uma família e a separação entre mãe e filho no auge de sua triste jornada. Se não isento de comoção, tal relato também não se mostra afeito a arroubos ou exageros: tudo é pontuado da maneira esperada, quase como dando prosseguimento ao percurso de uma cartilha há muito esboçada. A amizade com outras presidiárias, a empatia que surge entre ela e a oficial responsável por seus cuidados e mesmo os raros reencontros com a mãe ou com Hans são exibidos de forma protocolar, sem ameaçar reviravoltas ou mudanças de rumo. Quando surge a possibilidade de um perdão oficial – e, portanto, evitar a condenação à morte – o anúncio do requerimento é feito de forma tão desprovida de vontade que poucos na plateia levarão a sério essa chance. Diferente, porém, do que se percebe quando o foco se dirige ao surgimento dessa paixão – pessoal e social – e sua gradual aproximação, tanto pelo entendimento do quão grave era o que estava a se passar no país, como também pelo fortalecimento dos laços entre os dois jovens.

A Hilde pensada por Stieler, interpretada por Fries e levada às telas por Dresen representa não uma agitadora calculista, uma fria estrategista ou uma abnegada reivindicadora de uma sociedade mais justa. Por mais que não fosse uma tola – como a própria chega a afirmar em cena – e tivesse consciência dos seus atos e decisões, não passava, vista por meio de um escrutínio mais detalhado, de uma jovem rebelde e apaixonada que, assim como tantas iguais a ela, queria apenas “mudar o mundo”. Por isso, o desfecho que lhe aguardava, feito vítima por uma mensagem inocente enviada clandestinamente por rádio e por cartas endereçadas às mães preocupadas de rapazes refugiados no exterior, não apenas serve para evidenciar a desproporcionalidade do seu julgamento, mas também a barbárie contra qual ela e muitos outros estavam dispostos a morrer em sua busca por justiça. Mas eis que está no título a chave para o melhor entendimento da proposta aqui perseguida: como uma missiva encaminhada a um ente querido, sem alarmes ou pedidos de socorro, apenas uma despedida terna e um aviso compreensivo de que, se tal destino lhe era esperado, que ao menos tenha servido para mostrar que sua causa não fora em vão. De Hilda, com amor, portanto. Com carinho, mas também com urgência.

Filme visto durante o 74º Festival Internacional de Cinema de Berlim, na Alemanha, em fevereiro de 2024

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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