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Crítica


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Sinopse

Fábio e Taís estão prestes a se casar. Porém, o rumo das coisas muda quando ela se vê influenciada por uma youtuber comportamental. Ele, por sua vez, planeja vingar-se da blogueira e recuperar seu grande amor.

Crítica

Durante muito tempo, o cinema brasileiro se mostrou refém de suas próprias pretensões, entre a necessidade de retomar uma conexão com o público – percebido em episódios isolados durante os anos 1970 e início dos 1980 – e alcançar um reconhecimento internacional – motivado, em grande parte, pelas três indicações ao Oscar recebidas no final dos anos 1990. Assim, qualquer filme realizado precisava se apresentar como “a próxima grande aposta”, o título que não só iria movimentar as bilheterias, como também angariar premiações ao redor do globo. Diante de tamanha expectativa, não causa espanto verificar quantos ficaram pelo meio do caminho, ao mesmo tempo em que se esqueceu daquele longa intermediário, sem muitas pretensões, mas ainda assim distante de provocar maiores constrangimentos. Incompatível, de Johnny Araújo, é resultado dessa “terceira via”, para usar um termo em voga atualmente. E se não alcança melhores resultados – o que, infelizmente, se verifica – é mais por tropeços em sua realização e menos pelas motivações que o tornaram possível.

A estrutura é absolutamente reconhecível – afinal, são raras as comédias românticas que conseguem evitar esse mesmo esquema do casal que se atrai + se afasta + se reúne novamente para, enfim, ‘serem felizes para sempre’. Aqui, no entanto, Patrícia (Nathalia Dill) e Fábio (Gabriel Louchard) se antipatizam de imediato, sem um interesse prévio (esse só será desenvolvido posteriormente). E qual o motivo deste antagonismo? Num primeiro momento, ele a vê como a responsável por toda a sua infelicidade. Senão, vejamos: Fábio é um homem simples, que sonha em se casar e viver o resto dos seus dias ao lado da mulher dos seus sonhos, algo que está prestes a alcançar. Porém, na véspera do dia tão esperado, Taís (Giovanna Lancellotti), a noiva, decide cancelar tudo e partir sozinha para a lua-de-mel. O motivo? Um teste que fez que aponta a ‘compatibilidade’ entre casais, cujo resultado foi nada favorável ao seu desenlace. E quem recomendou essa prova dos nove? Uma youtuber que tem chamado atenção nas redes, ninguém menos do que a própria Patrícia.

Com o intuito de se vingar pelo fim do noivado, o rapaz abandonado decide jogar com as mesmas armas que lhe atacaram. Assim, com a ajuda do melhor amigo, Caíque (Gabriel Godoy), Fábio passa a atacar virtualmente sua oponente, não de cara limpa, mas através de uma figura mascarada que batiza como “Incompatível”. Bom, o que irá se suceder a partir de então não será nenhum mistério: inimigos no mundo online, os dois acabarão se conhecendo pessoalmente, após um encontro ao acaso, e logo se verão atraídos um pelo outro. E como costuma acontecer nesse tipo de situação, o que tanto repele, também irá gerar aproximação. Mas como lidar com esse genuíno interesse, surgido de forma natural, quando há uma mentira entre eles? Seria interessante investigar de forma madura essa contradição, a necessidade do homem em assumir sua falha por não ter sido sincero e como os dois, como seres imperfeitos, são capazes de mudar de ideia e assumir novas percepções. Mas esse filme não está preparado para um debate tão adulto.

Importante perceber que, por mais que a sinopse e o material de divulgação aponte para um triângulo amoroso entre um homem e duas mulheres, nos bastidores o que se encontra é uma visão unicamente masculina determinando os rumos da trama. Afinal, além de contar com um diretor, o roteiro é de Paulo Cursino, com colaboração de Léo Luz e do citado Louchard, inspirados no texto original de Scott Benson – todos homens. Cursino é um dos roteiristas mais ativos do país, conhecido por parcerias com comediantes como Renato Aragão, Leandro Hassum, Rodrigo Sant’Anna e Maurício Manfrini (Paulinho Gogó). Por mais que tenha trabalhado também com Ingrid Guimarães, por exemplo, segue identificado com um humor de viés másculo. A partir dessa leitura, entende-se a decisão de tentar equiparar os erros dos protagonistas de Incompatível. Assim, antes de serem francos um com o outro, um mal-entendido a coloca em uma situação vulnerável, obrigando-a a se desculpar antes mesmo do que ele, na tentativa de resgatar o romance dos dois. Uma balança que se tenta mostrar equilibrada, mas está longe de parecer minimamente razoável.

Araújo, Louchard e Godoy são conhecidos pela parceria na série Homens? (2019-2020), que realizaram após esse projeto – as filmagens de Incompatível ocorreram em 2017, e houve uma espera de 5 anos até seu lançamento. Se essa demora não foi suficiente para que soluções fáceis e desenlaces estereotipados fossem evitados, ao menos serviu para identificar as zonas de conforto do elenco. Tanto Louchard quanto Godoy entregam tipos bastante similares aos vistos na parceria televisiva, assim como Dill se mostra não muito distante da heroína de comédias românticas que tem se tornado frequentes em sua filmografia (Um Casal Inseparável, 2021, ou Talvez Uma História de Amor, 2018). Esses, porém, seriam somente pormenores, caso o conjunto se mostrasse capaz de dialogar com um público amplo e sintonizado com as discussões de hoje. Mas não basta introduzir nesse debate elementos contemporâneos – como o alcance de influenciadores digitais – para que a conversa se confirme conectada com o tema. É preciso ir além. E ao recair no emprego de velhos clichês (a fuga no altar, o melhor amigo gay, a traição com o primo gostosão, a mocinha que se mostra segura, mas é frágil na intimidade etc), só deixa em evidência o quão longe está do lugar onde pensa estar.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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Robledo Milani
4
Ailton Monteiro
5
MÉDIA
4.5

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