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Sinopse

Os pais de Aria estão ocupados demais com as próprias vidas, em meio a um divórcio violento, para cuidar dela. Aria observa as suas duas irmãs mais velhas sendo paparicadas enquanto ela é tratada com certa indiferença em casa.

Crítica

Rebelde, subversiva e contestadora são algumas das características imediatamente ligadas à atriz italiana Asia Argento e que a própria faz questão de transpor para sua obra como cineasta. Incompreendida, seu terceiro trabalho na direção, é carregado deste desejo transgressor, utilizado para contar a história de Aria (Giulia Salerno) uma garota de nove anos que enfrenta as agruras decorrentes do divórcio dos pais. A mãe (Charlotte Gainsbourg), uma pianista fracassada, e o pai (Gabriel Garko), um famoso galã de cinema, parecem ter olhos apenas para si mesmos e para suas outras filhas – frutos de casamentos anteriores – fazendo com que a protagonista sinta-se completamente rejeitada. Desesperada por carinho, Aria encontra conforto na companhia da melhor amiga Angelica (Alice Pea) e de seu gato Dac, enquanto se dispõe a tudo para ser amada.

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Argento adentra o universo do filme de formação sob o viés da disfuncionalidade familiar, temática que já havia trabalhado em seu longa anterior, Maldito Coração (2004), explorando especificamente a sensação de deslocamento de Aria, a menina diferente das outras, que parece não pertencer a nenhum lugar. A abordagem adotada pela cineasta é a do exagero, estético e dramático, fazendo com que basicamente todas as situações e personagens – da professora que bate a cabeça do aluno na mesa da escola ao padre que expulsa a garota do confessionário – sejam carregados de um pesado tom caricatural. Esta escolha reitera uma predileção de Argento, mas aqui também possui uma função mais efetiva: a de representar o olhar infantil.

Afinal, a tendência da mente de uma criança de nove anos é amplificar as experiências as quais é submetida, já que sua percepção ainda não está plenamente desenvolvida para compreender as camadas intermediárias dos sentimentos, reconhecendo apenas seus extremos. O futuro é distante, o agora é tudo, a amizade é eterna, o ódio é incontornável, o amor é incondicional, etc. Com isso, a ambientação na década de 1980 – com seus excessos de cores, formas, figurinos e penteados – se torna componente fundamental da proposta da diretora, bem como a trilha sonora composta em boa parte pela própria cineasta em parceria com músicos como Brian Molko, líder da banda Placebo. Elementos que combinados ressaltam o senso de urgência da narrativa.

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As atuações seguem a mesma linha: Gainsbourg apresenta a competência habitual como a mãe ausente, irresponsável e descontrolada, que troca constantemente de namorados e tem problemas com drogas, já Garko encarna o pai narcisista e canastrão de forma bem-humorada, especialmente quando escancara seu lado supersticioso, como na reação ao descobrir sobre o gato preto de Aria. Mesmo que os personagens soem vazios e unidimensionais – assim como as irmãs, a melhor amiga ou o interesse romântico da protagonista – estes ainda guardam resquícios de humanidade que são captados por Argento nos momentos – raros – de delicadeza, como na sequência em que Gainsbourg ensina as filhas a se maquiarem. Por fim, Giulia Salerno interpreta Aria com boa desenvoltura e muita simpatia, garantindo o envolvimento com seu drama.

É bem verdade que o registro adotado por Argento pode afastar o espectador, já que se torna difícil se identificar com as figuras que cercam a personagem principal. Há também uma irregularidade no ritmo da narrativa – cujo o citado exagero por vezes beira a histeria – causada principalmente pela repetição de situações. Mas existe algo de genuíno no modo como a diretora retrata a inquietude do imaginário infantil, sujeitando sua protagonista, bem como o espectador, a um verdadeiro bombardeio de informações e impressões, simbolizadas com perspicácia nas páginas repletas de colagens e anotações do diário de Aria – exibidas nos créditos iniciais. E mesmo com todas as suas evidentes imperfeições, Incompreendida nunca deixa de exalar um sentimento libertário, anárquico, que possui certo encanto.

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Ainda que não seja exatamente autobiográfico – já que é improvável que o personagem do pai seja uma representação em algum nível do grande Dario Argento, por exemplo – existe uma clara carga pessoal no trabalho de Asia. Seja ela no nome da protagonista – Aria é um dos nomes do meio da diretora/atriz – ou em alguns traços da personalidade da mãe que se assemelham à persona de Argento fora das telas. Mas é mesmo como uma tradução do espírito de sua realizadora que Incompreendida parece funcionar. Um espírito intenso, sem medo de se arriscar ou de seguir suas convicções até as últimas consequências. Que demonstra grande empatia pelas figuras marginalizadas – algo presente na relação entre Aria e o namorado punk da mãe ou na sequência em que confraterniza na rua com mendigos e prostitutas. O espírito de uma mulher e artista que, mais do que compreendida, deseja ser aceita sem julgamentos. E ainda que não tenha dominado por completo seus instintos, Argento demonstra coerência em seu discurso, avançando no desenvolvimento de um estilo próprio com potencial para ser lapidado em obras futuras.

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é formado em Publicidade e Propaganda pelo Mackenzie – SP. Escreve sobre cinema no blog Olhares em Película (olharesempelicula.wordpress.com) e para o site Cult Cultura (cultcultura.com.br).
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