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Crítica


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Sinopse

Uma catástrofe muda drasticamente a vida de uma garota, pois a dota de superpoderes. Ela passa a ser estudada pelos humanos e monitorada por extraterrestres que a consideram uma potencial ameaça.

Crítica

Incursão Alienígena é a sequência de Prityazhenie (2017), filme russo que fez bastante sucesso ao mostrar dramas decorrentes da chegada de uma nave extraterrestre à Rússia. O novo longa-metragem começa com um resumão extenso para que os desavisados não fiquem perdidos. Esse prefácio nos informa que o evento extraordinário mudou a rotina do país, mas principalmente a da jovem Yulya (Irina Starshenbaum). Ela se envolveu amorosamente com um alienígena e ganhou dele poderes que a tornaram especial/perigosa/valiosa. Nesta superprodução que aposta pesado na pirotecnia para tentar ser grandiloquente, a protagonista é monitorada pelo exército humano e pela raça que visitou o planeta azul. Como heroína trágica, essa personagem deixa muito a desejar. O filme ensaia coloca-la no centro de um dilema: atender ao chamado do amor ou permanecer à disposição dos militares de seu país? No entanto, algumas sugestões nesse sentido não são suficientes para que o drama se estabeleça/cresça. Aliás, os dados apresentados como potenciais subtextos rapidamente são soterrados por uma lógica corriqueira em Hollywood: a supressão das alegrias, do sofrimento, da densidade psicológica, ou seja, de tudo que torna as pessoas complexas, em função da ação desenfreada. A dúvida, a hesitação de uns entre o dever e a família, a redenção, tudo isso acaba pasteurizado.

O roteiro de Oleg Malovichko e Andrey Zolotarev segue uma fórmula consagrada. Uma donzela está em perigo; há uma disputa entre dois potenciais rivais que podem salva-la; e enquanto isso o mundo está praticamente desmoronando. O cineasta Fedor Bondarchuk aposta boa parte de suas fichas exatamente na pirotecnia para trazer algum tipo de valor a um produto que, no fim das contas, não consegue esconder a sua natureza genérica. Para começo de conversa, falta personalidade e espessura às pessoas. Yulya, por exemplo, não é muito diferente das tantas mocinhas correndo risco que existem para dar às figuras masculinas motivos (desculpas?) aos rompantes de bravura. A anulação de seu potencial como impulsionadora da guerra entre alienígenas e humanos é tão grande que gera incongruências difíceis de serem explicadas/engolidas. No começo do filme, durante uma sessão de testes aos quais ela é submetida pelo exército russo, observamos que suas flutuações emocionais mínimas são passíveis de despertar poderes potencialmente devastadores. O efeito é colocar na jovem um carimbo de bomba relógio. No entanto, o que vemos no decorrer da trama é isso ser ignorado, a mocinha fragilizada não se descontrolando (?) e dependendo sempre dos homens para sobreviver. Portanto, ela que tinha tudo para ser o pivô da vitória se torna um bibelô que deve ser bem cuidado.

Hakon (Rinal Mukhametov), o crush que veio do espaço, tem uma posição curiosa em Incursão Alienígena. Mais do que ser o príncipe encantado incumbido de resgatar a amada das várias garras maléficas, ele é um instrumento essencial à pegada meramente ilustrativa do roteiro. Sim, pois Fedor Bondarchuk não está disposto a “perder tempo” com a sugestão de sensações ou a proposição de complexidades. Ele faz desse extraterrestre uma figura basicamente útil por saber do que é feita a ameaça. Então, constantemente Hakon é questionado sobre o inimigo: como ele pensa, qual é o alcance de suas forças, como possivelmente pará-lo. É estritamente um manual de instruções ambulante, daqueles aos quais recorrer quando as dúvidas surgirem no horizonte. Essa finalidade acaba extrapolando até mesmo seu papel de interesse amoroso da protagonista. O único momento em que esse sujeito não funciona como a bula de um remédio rançoso é ao assumir o posto de homem disposto ao sacrifício para ver sua amada em segurança. A fim de completar o panorama mais próximo à Yulya, o ex traidor que busca se redimir dos erros do passado (a rivalidade entre os pretendentes é bem qualquer coisa), e o pai general. Este personagem interpretado por Oleg Menshikov serve somente como um elo direto e reto com a oficialidade russa. Nem seus impasses entre o dever e o amor à filha têm firmeza.

Mesmo que mal aproveitado, há um componente interessante no filme: a sinalização da nocividade das fake news. Em determinado momento da trama, o dispositivo alienígena começa a plantar falsas ligações, reportagens, interlocuções e ordenações militares. O resultado é um quase completo caos coletivo, ao ponto de as autoridades desaconselharem a utilização de equipamentos digitais para evitar a manipulação. Uma pena que Fedor Bondarchuk não invista no alcance dessa arma de destruição em massa construída a partir de algo abundantemente presente na nossa contemporaneidade. Esse enfraquecimento do subtexto passa também pela não radicalização das medidas preventivas. Não é mostrada a adesão/não adesão do público e tampouco se as restrições são sustentadas como antídoto poderoso – o exército, por exemplo, continua trabalhando com suas redes via satélite. Não é cultivado um senso de urgência e/ou perigo que torne intensas as movimentações globais e íntimas. Tudo é cozinhado em banho-maria, chavões são distribuídos sem qualquer ímpeto de subversão ou ao menos de jogar tendo em vista uma adesão consciente a eles. Atendendo ao que parece um imperativo em produções que pretendem alcance mundial, Incursão Alienígena deixa de lado qualquer particularidade local e adere desavergonhadamente aos moldes narrativos hollywoodianos. Nem os efeitos especiais (uns bons, outros nem tanto) salvam esse espetáculo sonolento e previsível de ser mais do mesmo.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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